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Viagem na maionese

Convites ‘recusados’ acabariam de vez com Brasil

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior - Foto de Arquivo

Manhã de sabatina do ministro Flávio Dino, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado fervia no sentido literal da palavra. Apesar da dor nas costas, era lobo querendo comer tatu e cobras peçonhentas loucas para picar os pintos governistas que piavam sobre os cantos do plenário da CCJ. Num dado momento, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), supostamente um dos líderes do covil ou do ninho das peçonhas, anunciou que, provavelmente em um dia de loucura plena, o pai Jair considerou indicá-lo ao Supremo Tribunal Federal. Não vi se os presentes riram de chorar ou se choraram de rir. Para sorte de todos, o 01 se antecipou e disse ter declinado do convite sob o argumento de que, apesar de advogado, preferia ser político.

Melhor para o país e, sobretudo, para a Corte Suprema, que a preferência tenha recaído nos ombros nada calejados de André Mendonça. Pior foi o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o 03, no início do governo do pai, em 2018. Cotado à época para ser embaixador do Brasil em Washington, disse que o possível convite para assumir o cargo foi motivado pela sua experiência e não por ser filho do homem. A quem perguntava sobre a tal experiência, informava que havia feito intercâmbio e fritado hambúrguer nos Estados Unidos, “no frio de Maine, estado que faz divisa com o Canadá, e no Colorado”. Novamente o pleonasmo se fez presente no clã. Alguns entraram para dentro e outros saíram para fora. A ideia era não encarar o deputado de frente.

Nada de extraordinário para um clã que bateu pé e brigou com meio mundo tentando curar um vírus letal com medicamentos para vermes. Não faz muito tempo, o mesmo Eduardo Bolsonaro anunciou o lançamento de um movimento para difundir ideias conservadoras e combater um suposto predomínio da esquerda em áreas como universidades, imprensa e meios culturais. Para quem não se lembra, estes são segmentos contra os quais o pai do parlamentar passou quatro anos tentando expurgá-los do cotidiano nacional. Por medo, preocupação, rancor ou puro êxtase, sempre os imaginou sob sua tutela. Na verdade, não acabou com eles porque se mostrou pequeno demais para lutar contra setores representativos da liberdade do povo brasileiro.

Auxiliada por doidões pelo poder, há tempos a família viaja na maionese e se propõe a ter uma nação para chamar de sua. Conforme o texto de apresentação do grupo batizado de Formação Conservadora, “embora os conservadores tenham despertado e sejam a maioria, o Brasil continua sendo dominado por uma minoria que não tem escrúpulos, mas que tem mais de 100 anos de organização”. Primeiro, é preciso registrar o reconhecimento do “nobre” deputado pela força da esquerda, cuja maioria esmagadora só é esquerda porque tem horror à direita. Depois, o que é escrúpulo para quem se diz defensor da família, mas não consegue viver em uma, muito menos ter valores cristãos e não hesita em trabalhar para impedir toda e qualquer liberdade individual? Será que escrúpulo é lutar pelo poder à força e à custa do sofrimento alheio?

Claro que não. Aos que agem desse modo apelidamos de imorais, trapaceiros, usurpadores, desprezíveis, malignos, corrosivos e inescrupulosos. Os mais velhos conhecem – pelo menos deveriam conhecer – a história dos anos que sucederam o período de chumbo. Os mais novos poderiam conhecê-los aproveitando melhor o tempo perdido na internet. O atentado do Riocentro e a explosão quase diária de bombas em bancas e na OAB do Rio de Janeiro são episódios que até hoje habitam o consciente e o subconsciente do brasileiro que trabalha pela manutenção da democracia. Para os que defendem a ditadura, esses “eventos” continuam povoando suas mentes sujas e ocas como feitos necessários à grandeza nacional. É o tipo de grandeza que os torna cada vez menores. E quem esteve por trás de todos esses fatos? Justamente os conservadores. Interessante é que nem eles sabem o significado do termo conservadorismo.

A definição está longe do cerceamento de liberdades ou da distinção de raças, credos ou classes sociais. Conforme disse Onário, trata-se de uma ideologia política ou moral que acredita que o governo e/ou a sociedade tem o papel de encorajar e estimular valores ou comportamentos tradicionais. Portanto, não há na literatura brasileira nenhuma sintonia entre um cidadão conservador e um ditador. Com o crescente sucesso do governo de Luiz Inácio, hoje é praticamente impossível reunir a maioria que Eduardo Bolsonaro imagina ter para defender as cores cinzentas e nebulosas da extrema-direita. Se são tão bons, gostaria de saber quantos projetos as santidades do pau oco já apresentaram nesses cerca de 11 meses de mandato. Que eu saiba, nenhum. São apenas gritos. É a oposição do buraco negro, aquela que tenta engolir tudo e todos que se aproximam delas. Com relação aos convites a 01 e a 03, serei sucinto: Deus interveio e impediu que eles aceitassem. O Brasil e os brasileiros agradecem.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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