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Quem ama não rouba

Cunha encarna as trevas e o amor venenoso dos políticos

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Wilson Dias

“Política se faz por amor às pessoas”. Atribuída ao ex-governador paulista Geraldo Alckmin, a frase chamou-me atenção dia desses, despertando em mim os sentimentos mais primitivos em relação à categoria. Não posso negar que a maioria é impublicável. Também não nego que, ao longo de minha carreira de jornalista político, convivi com pessoas sérias e bem intencionadas, apesar de políticas. Na contagem informal, infelizmente sobraram dedos. De imediato, veio-me à lembrança a minissérie brasileira Quem Ama Não Mata, escrita por Euclydes Marinho e exibida pela TV Globo entre julho e agosto de 1982, cujo enredo são as dificuldades nas relações amorosas. Não é o caso, embora possa usar a trama para chegar nos políticos. O princípio é o mesmo.

Quem ama como sugere Alckmin não rouba, não esfola, não mente, não enriquece às custas da desgraça alheia, não promete o que não pode cumprir e, fazendo jus aos votos recebidos, trabalha para garantir melhores condições de vida para os iguais. O problema é justamente esse. Os iguais não acreditam no que ouvem ou leem. Resta “investir” maciçamente nos desiguais, segmento naturalmente obrigado a crer ou aceitar o que é ofertado. Recebem o falatório como algo divinamente palpável ou diabolicamente inconquistável. Resumindo, enganado a cada eleição, esse povo não tem saída. Não tem o que comer, mas engole sapos, cobras e lagartos como se fossem sonhos realizáveis com alguma facilidade.

É como realizadores de sonhos que eles se vendem. Viram pesadelos tão logo os votos são contabilizados e divulgados. Vencedores se perdem nas vantagens e mordomias do cargo. Vencidos somem na poeira da corrida eleitoral. No próximo pleito, provavelmente a ingenuidade de uns volte a se encontrar com a sagacidade e as mentiras de outros.

Será o reencontro dos que morrem acreditando em Deus e os que mentem em nome Dele. Cheguei a essa conclusão ao ler sobre o retorno político do ex-deputado e ex-presidiário Eduardo Cunha. Tenta uma aproximação com o mito de araque como forma de buscar holofotes.

Evangélico assumido, divulgou até uma profecia que ele mesmo reconhece como improvável: a reeleição do mito Bolsonaro. Queimado em todas as três principais divisões do cristianismo (protestantismo, catolicismo e ortodoxia), Cunha deve ter aprendido na prisão que votos não têm crença. Por isso, com as finanças bloqueadas pela Justiça, não será surpresa alguma se ele aparecer dia desses de roupão e turbante brancos, batendo atabaque e se dizendo o mais novo e ferrenho defensor do sincretismo religioso. Afinal, é preciso arranjar um jeito de sobreviver.

Condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas inocente de carteirinha, voltar à ribalta do Congresso não será tarefa fácil. Talvez o caminho mais tranquilo seja realizar um antigo sonho de consumo: eleger a filha Danielle Cunha deputada federal. Tudo em nome do amor à política. Portanto, em nome desse amor que ele sempre demonstrou pelo país, pelos pares e, sobretudo, pelo eleitorado, aguardemos sua próxima tacada. Responsável pelo início do fim de Dilma Rousseff, ele colhe o que plantou.

Experimentou do próprio veneno, mas se diz afiadíssimo como operador da política. Pode ser. Se antes circulava com ares e pompa de controlador de ovelhas no plenário da Câmara, quem sabe não apareça em breve como agenciador de almas do purgatório. Seu inferno astral provavelmente abrirá portas para todos os poderosos com contas a ajustar. Cunha e os devedores são daqueles que jamais duvidam da possibilidade de surgir uma luz para iluminar seus tenebrosos e negros caminho. Tudo em nome do amor à política e às pessoas.

Particularmente, prefiro as trevas.

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