Grilinhos
Dagoberto estava quase dormindo quando elas chegaram
Publicado
em
Elas chegaram tarde da noite. Dagoberto estava quase dormindo, quando as duas se materializaram junto a sua cama, olhando-o em silêncio. Ele levou um baita susto, mas logo percebeu que não pretendiam fazer-lhe mal. Não em ações, pelo menos.
Eram duas mulheres, uma adolescente, de uns 17 anos, e outra seis anos mais velha. Dagoberto as reconheceu sem dificuldade, o tempo não havia passado para as aparições, estavam exatamente iguais à última vez em que as tinha visto. A moça chamava-se Laís e a outra, Rosane. Tinham em comum o terem sido seduzidas e pouco depois descartadas por ele.
Recordou as circunstâncias. Laís namorava um carinha de quem Dagoberto não gostava, os dois chegaram a sair na porrada. Então, para vingar-se, conquistou a jovem; ficou com ela menos de um mês, depois do término do namoro com o fiodeumaégua, e em seguida a abandonou.
Com Rosane foi pior. Estava casada há três anos quando Dagoberto a seduziu. Ficou cinco meses com ela, mas não suportava suas declarações altissonantes de que eram almas gêmeas, trocara uma vida confortável por um amor eterno, coisas assim. A gastura foi crescendo, até que terminou a relação. Com uma boa dose de maldade, aconselhou-a a tentar voltar com o corno.
Dagoberto deu de ombros. Eram episódios de que, mais de 10 anos depois, não se orgulhava, mas fazer o quê? Vida que segue.
Nesse momento, materializaram-se dois homens no quarto. Um deles era o ex-esposo de Rosane; o outro, um colega de trabalho de quem havia puxado o tapete, na disputa por uma promoção.
– Sei que não fui muito correto com vocês – reconheceu –, mas o que desejam? Por que estão aqui?
Nenhuma resposta. Os quatro continuaram a mirá-lo sem hostilidade, os olhos com uma pitada de pesar. E assim permaneceram a noite inteira, enquanto Dagoberto se revirava na cama.
No dia seguinte, ignorando, tanto quanto possível, os grilinhos silenciosos – como passou a chamá-los –, refletiu sobre o porquê das aparições. Não podia ser por ter abandonado as duas em tão pouco tempo, estava com 19 anos quando se envolveu com Laís, relacionamentos adolescentes duram pouco. Concluiu que a jovem tinha vindo porque não se aproximara dela por amor ou tesão, e sim por vingança; por sua vez, Rosane estava ali por ter sido abandonada por puro fastio. Já o marido simplesmente veio junto, Pilatos no Credo. Quanto a puxar o tapete, era uma prática comum no ambiente corporativo; mas a vítima tinha sido seu melhor amigo na empresa, e isso exigia punição, ainda que silenciosa.
Nos dias seguintes, Dagoberto aprendeu a conviver com seus grilinhos. Por vezes os afastava, com um gesto brusco; desapareciam, velas que se apagam, para reaparecerem segundos depois, novamente acesas. O pior era quando estava com uma mulher, transar diante de quatro pares de olhos tirava toda a naturalidade.
Casou um ano depois, a solteirice adquirira um gosto amargo. Se a vida sexual era medíocre, profissionalmente foi de vento em popa. Era ponderado, sempre correto, jamais agia sem pensar (também, com quatro grilinhos silenciosos a observá-lo o tempo todo…). As promoções vieram uma atrás da outra.
Ao atingir a meia idade, Dagoberto era um homem bem-sucedido, e mais, empenhado em manter a todo custo seu casamento sem prazer (vai que outra grilinha, sua esposa, se somava às duas!). “Meu avô me chamaria de ‘varão de Plutarco’”, pensou. “Um exemplo de retidão digno de figurar no livro Vidas paralelas, do escritor romano, ao lado de Péricles, César e outros personagens ilustres”. E concluiu, com um sorriso melancólico. “Talvez alguns deles também tivessem grilinhos silenciosos a seu lado, mais eficientes que o de Pinóquio!”