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Futuro negro

Desertificação avança no Nordeste e ameaça comunidades rurais

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Autor/Imagem:
Júlia Severo - Foto Editoria de Artes/IA

A desertificação vem se consolidando como um dos maiores desafios ambientais e sociais do Nordeste brasileiro. O fenômeno, caracterizado pela perda da capacidade produtiva da terra, atinge hoje milhões de pessoas e ameaça transformar em áreas estéreis regiões historicamente ligadas à agricultura familiar e à subsistência rural.

Estudos recentes da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) apontam que estados como Piauí e Bahia já registram níveis alarmantes de degradação. Em municípios piauienses como Gilbués, por exemplo, quase 90% do território apresenta risco severo de desertificação, uma taxa que revela a gravidade da situação. No sudoeste da Bahia, a realidade é semelhante, com extensas áreas em processo acelerado de erosão e perda de fertilidade.

O avanço da desertificação resulta de uma combinação de fatores. Entre eles estão o desmatamento da caatinga, utilizado há décadas para lenha e carvão, o uso intensivo do solo pelo agronegócio, a pecuária extensiva, que desgasta o pasto e expõe o solo, além das mudanças climáticas, que ampliam a irregularidade das chuvas e prolongam os períodos de estiagem. Sem cobertura vegetal, a terra fica mais vulnerável, perde nutrientes e não consegue reter água, iniciando um ciclo de degradação difícil de ser revertido.

As consequências vão muito além da esfera ambiental. A desertificação atinge diretamente a produção de alimentos, reduzindo safras de feijão, milho e mandioca, e compromete a segurança hídrica da população, já que solos degradados não permitem a infiltração da água da chuva, esvaziando açudes e lençóis freáticos. Com a queda da produtividade agrícola, famílias rurais enfrentam dificuldades para sobreviver no campo e muitas acabam migrando para as cidades em busca de alternativas de renda. Esse êxodo rural pressiona áreas urbanas e aprofunda desigualdades sociais.

Diante desse cenário, a Sudene firmou uma parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC). O objetivo é estruturar políticas que unam preservação ambiental e desenvolvimento regional. Entre as ações previstas estão programas de reflorestamento com espécies nativas, incentivo a sistemas agroflorestais, disseminação de técnicas de irrigação mais eficientes, além da criação de observatórios regionais para monitorar a desertificação em tempo real. A proposta é transformar áreas críticas em laboratórios de soluções sustentáveis, envolvendo tanto governos quanto comunidades locais.

A ciência também tem buscado respostas. Pesquisadores da Embrapa Semiárido desenvolvem variedades de grãos mais resistentes à seca, técnicas de captação de água da chuva e práticas agrícolas adaptadas ao semiárido. Em algumas comunidades, agricultores já aplicam tecnologias simples, como cisternas e barraginhas, que ajudam a armazenar água durante os períodos de chuva. Essas experiências mostram que a convivência com o semiárido é possível, mas exigem apoio, investimento e políticas públicas consistentes para ganhar escala.

O avanço da desertificação no Nordeste, entretanto, não deve ser tratado apenas como um problema regional. A área afetada faz parte do Matopiba, considerada a nova fronteira agrícola do Brasil. O impacto sobre a produção de grãos, caso não haja controle, pode repercutir diretamente na economia nacional e até na segurança alimentar global. Por isso, especialistas defendem que o enfrentamento do problema seja encarado como prioridade estratégica, e não apenas como política local.

Ainda que o cenário seja preocupante, experiências bem-sucedidas em algumas comunidades rurais reforçam a ideia de que o problema pode ser combatido. Onde foram implantadas práticas de convivência com o semiárido, como plantio consorciado, preservação de áreas nativas e uso racional da água, os resultados aparecem de forma concreta, com aumento da produção e fixação das famílias no campo.

A desertificação no Nordeste é um alerta para o presente e para o futuro. A sobrevivência de milhares de famílias, a preservação do bioma caatinga e a sustentabilidade da produção agrícola dependem de decisões rápidas e de longo prazo. Se, de um lado, o fenômeno representa um risco grave, de outro abre a possibilidade de repensar o desenvolvimento da região em bases mais sustentáveis. O desafio está colocado: impedir que o solo fértil do Nordeste vire pó e garantir que as comunidades rurais possam permanecer em suas terras com dignidade.

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