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Desfile em São Paulo cai na mesmice e não empolga folião

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Homenagem ao centenário de um clube de futebol, marchinhas que pontuaram a origem do samba no Brasil, truques de magia, viagem no tempo de antigas civilizações, caveiras, dragões, acrobatas em carros alegóricos, ícones da imigração japonesa e, claro, clássicas referências à Mãe África… A primeira noite dos desfiles das escolas de samba do grupo especial de São Paulo foi marcada por uma sensação de déjà-vu, com direito à reciclagem de vários registros rítmicos, coreográficos e cênicos de outros carnavais. Na falta de uma apresentação que arrebatasse o público, ou ao menos de uma ideia absolutamente inovadora, a festa terminou, já com a luz do dia, com a suspeita de que o campeão ainda não passou pela avenida. Só quem pode furar esse prognóstico é a Rosas de Ouro, que misturou emoção, luxo, técnica e ousadia numa estudada estratégia para acabar com a maldição do vice-campeonato, que a persegue nos últimos três anos.

A Mancha Verde abriu a festa com o samba-exaltação ao Palmeiras, reafirmando a tese de que escolas que brotam de torcidas uniformizadas têm certa dificuldade de dissociar o carnaval do futebol. Armadilha que normalmente atravessa o samba e faz com que torcedores de outros clubes não se sintam tocados pelo desfile. Para os palmeirenses, no entanto, a passagem da Mancha foi um presente inesquecível, já que todas as referências à gloriosa história do clube estavam ali: ídolos da Academia (de Oberdan Catani a “São” Marcos), títulos conquistados, a nova arena e momentos marcantes que embalam qualquer conversa de bar que se preze, como o célebre dia em que o Verdão vestiu a camisa da Seleção Brasileira para um jogo contra o Uruguai. Apesar do foco no futebol, o desfile teve o mérito de destacar em várias alas e alegorias a importância da imigração italiana em São Paulo e a perseguição sofrida durante a Segunda Guerra.

A  Acadêmicos do Tucuruvi, segunda escola a se exibir no Anhembi, fez um desfile divertido, escorado principalmente na força melódica do samba-enredo – na verdade, uma colagem de frases de célebres marchinhas de Carnaval. A letra fácil e repleta de citações de antigos sucessos caiu nas graças da plateia e ajudou na evolução da escola. “Sou da Lira, daqui não saio, daqui ninguém me tira. Ei, você aí, oh abre alas pra Tucuruvi”, um dos refrões do samba, é um achado e, ao mesmo tempo, uma homenagem a compositores do calibre de Chiquinha Gonzaga, Noel Rosa, Zé Ketty, Vicente Paiva e Lamartine Babo. Entre confetes, serpentina e nostalgia, a Tucuruvi pode não ter feito um desfile para ser campeã, mas seus componentes saíram da avenida com a alma lavada.

O drama de ter o carro abre-alas quebrado no ano passado inspirou o enredo da Tom Maior, terceira escola a pisar na avenida neste Carnaval. Pena que a boa ideia de resgatar as sensações provocadas pela adrenalina daquele momento de tensão acabou se diluindo na dificuldade que o carnavalesco Mauro Quintaes encontrou para contar essa história. A mistura da emoção de um gol com o frisson do primeiro beijo, de Cupido com Drácula, de anjos com baratas, de baianas com viúvas negras não foi de fácil assimilação, embora seja inegável a coragem de sair daquela formalidade dos enredos didáticos. Bom mesmo foi o show da bateria do Mestre Carlão, 23 anos de Tom Maior, com paradinhas e coreografias que sacudiram a arquibancada pela primeira vez na noite.

Dragões da Real, quarta escola a passar pela avenida, apostou na ficção de uma história infantil para mostrar que é possível acreditar no sonho de ser campeã. Ainda que este desejo não se realize pela suprema decisão dos jurados, a escola pode se orgulhar de ter feito um desfile acima das expectativas para quem estreou no Grupo Especial apenas em 2012. Como São Tomé, foi preciso ver para crer a criativa concepção teatral da comissão de frente, que levou para o Anhembi uma carnavalesca versão da Fantástica Fábrica de Chocolates. Não importa que a ideia venha na esteira da premiada comissão do ano passado (“Thriller”, de Michael Jackson), o que conta é que, de novo, foi bem executada. Destaque também para as boas soluções dos carros alegóricos animados, ao melhor estilo do mago Paulo Barros.

O momento mais aguardado da noite era o desfile da Rosas de Ouro, quinta escola a pisar no sambódromo. E ela não decepcionou quem esperava um desfile de encanto e magia, marcado por um enredo que também se apoiava em contos de fadas e histórias de superação, como a da própria Roseira. Não custa lembrar que enquanto se preparava para entrar na avenida em 2014, a escola teve que enfrentar uma chuva de granizo que acabou tirando o brilho de algumas fantasias,  e prejudicando o resultado final do desfile.

Depois de perder este e outros dois títulos no detalhe para a Mocidade Alegre, a Rosas de Ouro tomou todos os cuidados para fazer um desfile finalmente campeão. Boa parte disso deve-se ao carnavalesco  Jorge Freitas, há oito anos na escola, que se dedicou ao desafio de levar a comunidade a um desfile cirúrgico, irretocável, sem erros. Ele chegou ao rigor de sugerir que o samba-enredo fosse cantado num tom acima da versão original ao se dar conta de que havia um número muito grande de vozes femininas nas alas.

Com tanto capricho, o que se viu na avenida foi um espetáculo que combinou luxo, riqueza de detalhes no acabamento das fantasias e no impacto das alegorias, da comissão de frente à última ala. Nem precisava ir além para merecer nota 10, mas num lance de pura – e perigosa – ousadia, o intérprete Darlan Alves parou de cantar e deixou que por mais de 30 segundos a escola evoluísse apenas ao som da bateria e do canto dos componentes da escola. Uma espécie de paradinha às avessas, que fez lembrar um épico desfile da Mangueira, no qual o mestre de bateria Ivo Meireles fez a escola desfilar cantando o samba no ritmo marcado pelo passo dos componentes, que foram para a avenida com calçados próprios para sapateado.

Sushi, judô, origami, ritual do chá, sumo, samurais, trem-bala, mangás, Buda, Zico… Por mais que tentasse cumprir a promessa de apresentar um Japão hi-tech, diferente de tudo o que já foi mostrado em outros desfiles que teve a imigração oriental como enredo, a Águia de Ouro não conseguiu se livrar dos velhos clichês para desenvolver o enredo “120 anos do Tratado da Amizade Brasil e Japão. Sexta escola a entrar na passarela do samba do Anhembi, a escola da Pompeia fez um desfile tecnicamente preciso, mas não conseguiu levantar o público e ficou longe de reeditar suas melhores performances. Merecem destaque, no entanto, o carro alegórico trazido direto do Japão desmontado em 15 contêineres e a inovação da bateria do Mestre Juca, que entrou no clima do desfile e incorporou o taikô, tradicional tambor japonês, ao naipe de instrumentos da genuína batucada brasileira.

Sétima e última escola a entrar na avenida, já com público reduzido nas arquibancadas e a cidade amanhecendo, a tradicional Nenê de Vila Matilde fechou a primeira noite dos desfiles em São Paulo apostando na receita que a torna uma escola única: grande participação da comunidade, garra e muito samba no pé. O enredo sobre Moçambique, embora preso à tradição dos temas afros, permitiu um desfile lúdico e contagiante ao contar a lenda do baobá, árvore sagrada que conta a história do país para as crianças. O samba, de linda melodia, ajudou. Pena que tenha faltado mais capricho nas fantasias  e criatividade nas alegorias.

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