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Policial novato

Desova de manequim em Goiás cai no esquecimento

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Há causos tão impossíveis de acontecer, que, no entanto, costumam acontecer a todo instante. Basta manter a mente conectada aos ouvidos e olhos para não se deixar enganar. Se bem que, como disse o poeta, nem tudo são flores. Pois lá estava a equipe de policiais entediada com a demora da troca de plantão, que só aconteceria dali a quase uma hora.

Foi aí que a mente criativa do Marcos entrou em curto circuito e pensou em algo inacreditável. Aliás, inacreditável, inimaginável e improvável. Ele andava de pendenga com o Aurélio, que ainda não completara dois meses de polícia. O novinho fazia parte do grupo que entraria.

Marcos se lembrou de um manequim extremamente realista, fruto de apreensão em uma operação na residência de famoso traficante da região, o Zé Moela. Como a cela estava vazia, ele, com ajuda do Lauro e a conivência de todos da equipe, pegou o tal manequim no depósito e o levaram para a cela, onde o penduraram pelo pescoço com uma corda improvisada com alguns trapos. Pronto! De tão impactante ficou, que até para um bom observador era difícil perceber que aquele enforcado se tratava, na verdade, de um boneco.

Cínico como ele próprio, Marcos convidou o comparsa para um cafezinho especialmente preparado pela Sissi na cozinha da delegacia. De tão eufóricos que estavam, os dois encheram as xícaras, mas o Marcos, com aquele sorriso sarcástico nos lábios, fez questão de beber café sem açúcar.

— Sem açúcar, Marcos?

— Sissi, de doce já basta a vida!

Às 7h55, o poderoso ronco da motocicleta anunciou a chegada do Aurélio. Marcos, Lauro e o restante da equipe, incluindo o delegado Álvaro e o escrivão Rubens, cumprimentaram o colega e já estavam indo embora, quando o Aurélio perguntou se havia algum preso. Marcos, com a cara mais deslavada, respondeu que sim. Nisso, o Aurélio foi verificar se estava tudo bem com o detento e quase caiu duro ao vê-lo pendurado pelo pescoço. O agente saiu gritando.

— Marcos, peraí! O preso se matou!

— Isso não é problema meu, Aurélio. Se vira!

— Não, não, não!!!

Marcos e sua equipe, a despeito dos protestos do Aurélio, foram embora. Desesperado e temendo que algo acontecesse e caísse sobre as suas costas, o policial começou a colocar a cachola para pensar em algo. Ele, então, teve uma ideia. Iria desovar o cadáver no mato para que algum bicho o comesse. Talvez alguma onça andasse por ali.

Antes que o resto da equipe chegasse, Aurélio colocou aquele corpo dentro do camburão. Não tardou, os colegas chegaram. Todos notaram algo estranho no colega e ficaram com a pulga atrás da orelha. Aquela situação era muito estranha. Tinha caroço naquele angu!

Aurélio disse que precisaria sair para resolver alguma coisa. O policial pegou as chaves da viatura, enquanto os colegas o encaravam com olhos inquisidores. Suando em bicas, Aurélio ligou o carro e saiu o mais rápido possível da delegacia.

Como a delegacia ficava a menos de 10 quilômetros da divisa com o vizinho Goiás, Aurélio rumou para lá. Ele estava certo que aquela era a melhor solução. Assim que ultrapassou a divisa, o agente começou a procurar um local ermo, até que, já tendo avançado quase 30 quilômetros, percebeu um matagal tão denso, que não teve dúvida. Seria ali mesmo que desovaria o cadáver. E foi o que fez.

Depois do trabalho feito, Aurélio tomou a estrada de volta. Acendeu um cigarro e sorriu aquele sorriso nervoso de quem sabe que acabou de fazer algo errado. Seja como for, não seria ele o culpado. Até que teve certo orgulho do feito, pois se lembrou que a volta à academia teria lhe proporcionado um excelente preparo físico. Pois é, carregou um homem daquele tamanho nos ombros e nem sentiu dificuldade.

Assim que estacionou a viatura na delegacia, ninguém pareceu notá-lo, pois o local estava apinhado de gente. Tratou logo de se sentar no seu lugar e atender o povo, que estava impaciente para registrar os mais variados tipos de boletins de ocorrência. E foi o que fez durante mais 26 anos, até se aposentar.

Aurélio nunca contou para ninguém o que havia feito. Estava certo de que havia cometido o crime perfeito. Quanto ao Márcio e seus cúmplices, todos acabaram se esquecendo da brincadeira. Dessa forma, mesmo que a felicidade não seja eterna, até onde se tem notícias, o Zé Moela jamais reclamou a devolução do manequim.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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