Poeta e escritor?
Deu no poste e na internet…
Publicado
em
É coisa de paranormal.
Dentro de mesmo corpo, futuro cadáver coexistirem duas entidades distintas como se fossem água e óleo. Um, o poeta: sensível, criador de imagens e metáforas, taça de vinho, tipo ora direis ouvir estrelas, pura inspiração. Outro, o escritor determinado, racional, esquemático e que digita com o auxílio de IA e apps capazes de reinventarem o texto perfeito.
Quem sabe até revezem o trabalho em turnos de produção; o poeta “pena com a pena” pelas intermináveis madrugadas, o escritor acerta o alvo da palavra e formula o texto assim… Zapt! Revisa e entrega a obra dentro do prazo fatal.
Absurdo inominável.
A denominação paquidérmica “Poeta e escritor” só existe porque algumas pessoas acham que poesia não é literatura e/ou vice-versa, que a prosa não é poesia. Esquecem que, antes das primeiras novelas de cavalaria, dos romances, antes até mesmo dos primeiros rabiscos que se possa chamar de letra, signo, já havia a poesia.
O que dizer de Homero? Poesia. O cara inventou quase tudo do que chamamos ao longo dos tempos de “narrativa”.
Para Aristóteles, lá no século IV a.C, já dizia que são três os gêneros literários: o épico, o lírico e o dramático, e todos são literatura. E o quê dizer de Guimarães Rosa? Poesia em todos os sentidos. E da obra do Bardo maior, Shakespeare? Poesia plena e total.
A coisa é bem estranha e beira o ridículo.
Ninguém diz “Mia Couto, contista, poeta e escritor”. Poesia.
E Machado de Assis? E Clarice Lispector, “contista e escritora”? Parece que poeta necessita deste rótulo, um carimbo a mais: “Poeta e…”. Absurdo e desnecessário.
Poesia não é uma aberração, espécie de irmã bastarda da literatura em prosa. Poesia é o útero gerador da literatura de todos os tempos. Depois vieram: novelas, contos, romances, ficção, bula de remédio, bíblias, escritos de porta de banheiro de rodoviária e todos os códigos e formas de comunicação.
Dizer “poeta e escritor” é o mesmo que falar “subir para cima, descer para baixo”. Olhar para o seu gato de estimação e indagar se ele mia. Redundância fatal.
Portanto, da próxima vez que sentir vontade de cometer tal sacrilégio, abra os olhos, diga ã, oi, olá… e depois se cale: leia um livro (mesmo que com as mãos trêmulas segurando o smartphone) e seja econômico com o texto, como bem ensinou o Drummond: “Escrever bem é cortar palavras”.
Esqueça o lance das dicotomias, pois são bipolaridades de tua cabeça.
Assassine sem dó o pleonasmo. E escreva, escreva tudo o que lhe der na veneta, poesia, conto, novelas, romance. Mas não se esqueça: tudo é poesia e música.
Desta forma, o desafio estará preservado muito além da besteira de carimbar o “poeta e escritor”.
Quem sabe, desta postura liberta nascerão as narrativas eternas de sua finita vida: LITERATURA..
……………………………..
Gilberto Motta é um narrador, contador de causos, escrevinhador. Tudo é poesia no nascedouro da palavra e das letras.