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Padre Júlio Lancelotti

Deus não está acima de todos, Deus está no meio de nós

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@donairene13 - Foto de Arquivo

Eu não sou católica, mas confesso que a decisão de dom Odilo Scherer de determinar que o padre Júlio Lancellotti se afaste das redes sociais e suspenda as missas on-line me deixou apreensiva. Não falo a partir de um lugar de fé institucional, mas de cidadania, de sensibilidade social e de compromisso com aquilo que considero essencial numa sociedade minimamente justa.

Desde que a decisão veio a público, muita gente se manifestou. As interpretações foram diversas e reveladoras. Houve quem entendesse o ato como censura pura e simples, uma tentativa de calar uma voz incômoda. Outros enxergaram ali uma forma de perseguição política, disfarçada de zelo pastoral. Também houve quem interpretasse a medida como uma tentativa de proteger o padre, que é alvo constante de ataques, ameaças e campanhas de difamação nas redes. Todas essas leituras coexistem, e nenhuma delas pode ser descartada levianamente porque a verdade é que não sabemos o que de fato motivou a decisão de Don Odilo.

É preciso lembrar, antes de tudo, que o padre Júlio Lancellotti não é apenas uma figura religiosa. Ele é um líder comunitário, alguém que ocupa um espaço público relevante, e que representa, sim, um movimento político, no sentido mais nobre do termo. Sua atuação junto à população em situação de rua, aos pobres, aos invisibilizados, é profundamente política porque confronta estruturas de exclusão, denuncia violências e incomoda consciências. E isso, inevitavelmente, gera reação.

Respeitar a hierarquia da Igreja faz parte da fé católica. A obediência é um valor cristão, ninguém nega isso. Mas a própria tradição cristã também reconhece a discordância fraterna, o debate, o discernimento comunitário. A história da Igreja é feita de tensões, conflitos e reformas. Não há Evangelho sem risco, nem fidelidade sem coragem.

Padre Júlio é, para muitos, Evangelho vivo junto aos pobres e invisíveis. Sua presença nas ruas, sua palavra direta, sua recusa em suavizar a realidade são, justamente, o que dão sentido à sua missão. Silenciar essa voz não fortalece a Igreja. Ao contrário: empobrece sua presença no mundo, afasta-a daquilo que lhe dá legitimidade moral, o cuidado com os últimos.

Mesmo não sendo católica, é isso que me inquieta. Porque, quando uma instituição religiosa escolhe o silêncio diante da miséria, ela perde mais do que seguidores: perde alma. E o mundo, que já anda tão carente de pontes, perde uma voz que insistia em lembrar que fé, quando é de verdade, nunca é confortável.

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