César e Napoleão (Parte II)
Deuses da guerra são volúveis homens amantes
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Continuando a longa e reveladora conversa entre os dois, Napoleão mostra-se intrigado com a observação de César e quer saber o que teria feito de errado em sua prodigiosa carreira bélica.
– Você nomeava parentes e amigos franceses para serem governantes títeres de regiões conquistadas pelo teu exército na Europa, açulando assim sentimentos nacionalistas de revolta contra o teu domínio, analisa o romano.
-Talvez tenhas razão, César. Continue!
-Veja os casos da Espanha e de Portugal, cujo rei fugiu para o Brasil. Essa região da Europa se tornou um doloroso espinho no teu pé. Assim, apenas deste moral para os ingleses com essa tontería nepotista!
-Eu queria formar uma “família real Bonaparte” na Europa. Se os reis tradicionais podiam ter isso, por que eu não podia ter também? Até casei com a filha do imperador da Áustria, Maria Luísa… e tive um filho com ela, como sabes. Mas, tudo bem, admito que não deu certo!
-Outra bobagem da tua parte foi a famigerada, estúpida e desnecessária campanha da Rússia que só poderia dar no que deu: perdeste um exército experiente que ficou congelado nas estepes russas, rebaixando o teu prestígio militar para abaixo de zero. Perdas irrecuperáveis, conforme a própria Josefina te advertiu que poderiam ocorrer, não é mesmo?
-Sim, César, apesar de estarmos separados, a querida e pertinaz Josefina continuou minha amiga e me aconselhou a desistir dessa campanha. E eu, tolamente, não dei bola para ela! É que eu estava muito puto da vida com aquele czar russo metido à besta. Ele furou o meu bloqueio continental contra a Inglaterra e eu tinha que mostrar a ele quem mandava…que um dia aquele russo desgraçado morra congelado naquele país maldito!
-Relaxa, Bonaparte! Já foi, isso é História! Também tive as minhas falhas, como tu mesmo apontaste. Mas olha tudo o que realizamos…nosso papel na História foi para lá de extraordinário! Fomos grandes, os maiores depois de Alexandre, mas não poderíamos jamais ser infalíveis como deuses ex machina.
-Verdade, César, mas pior do que não sermos infalíveis, por motivações diferentes, cometemos erros dignos de colegiais irresponsáveis…e isso me irrita muito!
-Isso é relativo, Bonaparte! O que quero dizer é que nós dois, apesar dos nossos defeitos e erros, encarnamos o espírito das nossas épocas e continuamos a ser amados e reverenciados pelos nossos povos ad aeternum, assim como
permaneceremos reconhecidos para sempre como ícones em todo o mundo civilizado. Em função do nosso talento, ousadia e audácia, legamos para a História uma obra político-administrativa admirável e, além disso, deixamos admiração, inspiração e encantamento para o homem comum de todas épocas e lugares.
-Achas mesmo que ninguém mais teve uma trajetória de estadista que possa ser equiparada a nossa, César?
-Bem, com exceção de Alexandre, um caso de inspirado sopro dos deuses…eu destacaria em um segundo plano: Leônidas Temístocles, Alcibíades, meu adversário Pompeu, Cipião – o africano, Aníbal Barca, meu sobrinho Otávio Augusto, Trajano, Adriano, Marco Aurélio, Constantino, Gêngis Khan, Saladino, Carlos Magno…queres acrescentar mais alguém a esse time de talentos político-militares?
-Bem, apesar da desastrosa campanha da Rússia e da nossa debilidade em Waterloo, muito do meu sucesso militar deveu- se ao talento dos meus generais adjuntos: Murat, Ney, Davout, Berthier, Massena e Lannes. E também tenho que admitir a argúcia de três inimigos magníficos: os ingleses almirante Nélson e o Duque de Wellington, bem como o general russo Kutzovov, visto que, sem a interferência desses três, eu jamais teria sido derrotado.
-Talvez! E para além da tua época, houve outros que se destacaram, para o bem e para o mal… mas sobre isso, estou proibido de falar por ordem dos deuses.
-Ah, César…apesar de sempre ter sido agnóstico, eu não duvido que a história da humanidade seja mesmo regida pela vontade dos teus deuses, mas sinto que eu poderia ter feito melhor. E essa angústia vou levar para o túmulo!
Estendendo a taça para ser servido de mais vinho, César falou com voz pausada:
-Bem, que tal mudarmos a prosa para um assunto mais leve e aconchegante… no qual também temos muita expertise e muitas histórias para contarmos um ao outro?
-Por mim, tudo bem César! Mas que assunto seria esse?
– Ora, le donne, le femmes, é claro! L’amour sauve!
-Ah, claro! Olha, César, vou te contar o que nunca contei antes para ninguém…durante as batalhas, o que energizava a minha mente era o desejo de acabar logo com o inimigo para poder voltar o quanto antes para os suaves braços de uma dama!
-Entendo, Bonaparte! Sabes bem, eu tive três esposas: Cornélia, Pompéia e Calpúrnia, além de outras namoradas extra- oficiais. Mas como já te falei, nesse tempo todo, eu era fissurado mesmo na mãe do Brutus, a ousada e depois vingativa Servília.
-Mas e a poderosa rainha do Egito, a célebre Cleópatra?
-Quando conheci Cleópatra, ela me ensinou muitas coisas para além da imaginação…como nunca nenhuma romana tinha feito! Se os deuses tivessem me dado mais tempo, eu governaria o mundo ao lado dela pelo resto dos meus dias completamente satisfeito em todos os sentidos.
-Legal, eu sempre quis saber como era a Cleópatra de verdade…peço que depois me descrevas bem ela! Olha, eu fiquei maluco pelo charme da nobre viúva Josefina quando a conheci, mas de pois, quem me levou ao céu foi a maravilhosa condessa polonesa Maria Waleska. E teve a austríaca Maria Luísa…e, antes de todas, a minha graciosa conterrânea Désirrée Clary.
-E qual foi a tua preferida, Bonaparte?
-Olha, César, eu fico balançado para escolher apenas uma…digamos que Josefina e Maria Waleska dividem o primeiro lugar nesse pódio.
-Senhores, desculpem a intromissão!
-O que foi, Oliver?
-Tem um cavalheiro lá fora, pedindo licença para entrar e participar da conversa dos senhores. Ele asseverou que pode enriquecer sobremaneira a prosa.
-E quem é ele? Algum general amigo meu? Ou será algum contemporâneo do nosso convidado?
-Não, Bonaparte! Os deuses jamais trariam mais alguém da minha época para esse encontro.
-Nunca o vi por aqui…e nem sei o ofício dele, general. Ele disse apenas chamar-se Giácomo Casanova! Algum dos senhores o conhece?
………..
Fim