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Pimentinha

Devaneios entre gatas

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Gato novo no pedaço! Não, a frase está errada. Pra começar, é gata. Uma nova gata e uma gatinha nova, de 4 meses – o que equivale (chequei) a uma criança de seis anos. Chegou em minha casa trazida por minha filha.

Chamava-se então Fumaça (a gata, não a filha). Olhei-a e, citando um verso de À primeira vista, de Chico César, cantei pra ela (pra gata, não pra filha): “Quando vi você, me apaixonei”.

O movimento seguinte foi explicitar urbi et orbi que eu ficaria muuuito chateado se a gatinha não ficasse em meu apartamento. Obtendo a concordância relutante da ex-dona de Fumaça, mudei o nome dela (da gata, não da filha) para Pimentinha. É que a ferinha tem o pelo praticamente da mesma cor daquele de minha gata Pimenta, que morreu em 2022, com 22 anos de idade. Isso equivale a mais de 100 anos de humanos, é coisa pra dedéu.

A partir daí, passei a buscar semelhanças entre Pimentinha e Pimenta. A diminutiva não passeia sobre o meu teclado, como fazia Pimenta; mas tenho de confessar que ela só passou a fazer isso depois de bem veínha.

Pimentinha não tem medo de gatos, que nem Pimenta: encara os até então cinco felinos da casa, mordendo seus rabos com os dentinhos afiados e levando surras homéricas por isso. A recém-chegada não tem receio do mundo exterior, traço característico de Pimenta; já fugiu duas vezes, dando-me um trabalho dos diabos para caçá-la pelas escadas do edifício.

No entanto, a coloração do pelo das duas fica a cada dia mais parecido – e isso me dava um vislumbre de esperança de que minha Pimenta tivesse voltado para mim.

A prova dos nove chegou quando Pimentinha começou a conversar comigo. Não me chama de “meu escravo querido”, como fazia Pimenta, a amada.

Chama-me de escravão – e, para ela, bem pequenininha, devo ser mesmo enorme. Ontem não aguentei e perguntei, de bate pronto:

– Pimentinha, você lembra de ter vivido aqui antes, neste apartamento? Pimentinha, você não é a reencarnação de minha gata Pimenta, mandada pela deusa Bastet, protetora dos gatos, para me fazer feliz?

(No Natal de 2022, recebi a visita da deusa felina Bastet, do antigo Egito, que materializou Pimenta para dar um adeus de despedida, episódio que relatei no conto Natal miau.)

A gatinha me olhou em silêncio por alguns instantes, depois miou:

– Escravão, você tem quantos anos?

Parei. Pensei em dizer minha idade humana, 77 anos, mas achei melhor traduzir em anos de gatos:

– Tenho 15 anos dos de vocês.

– Uau, 15 anos? – espantou-se Pimentinha. – Tá véio, né, escravão?

Parou por um momento e desfechou, impiedosa:

– E com 15 anos de praia o escravão ainda acredita em reencarnação de gato?

E foi embora para correr atrás do próprio rabo, algo muito mais divertido do que conversar com um escravo sentimental na última, que se lançou, com armas e bagagens, na busca da Pimenta perdida.

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