Sabedoria getulista
Dever cívico é votar com a consciência de que presidiário não preside
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Meu avô Aristarco Pederneira estava beirando os 100 anos, mas não havia meio de fazê-lo desistir do bendito dever cívico. Avô por parte de pai, ele me dizia sempre que podia que, entre os deveres de todo homem imbrochável, os mais importantes são votar, se vacinar contra os corruptos e contra os sanguessugas do Congresso, usar endorfina antes, durante e depois dos comícios de candidatos da extrema-direita, registrar o filho adquirido com a rapariga e vestir a cueca samba canção do lado avesso sempre que fosse para a esbórnia.
Vovô partiu beirando os 98 anos, ou seja, ainda muito jovem. Ele era daqueles que se cansou de ver a uva e a vulva da viúva. Craque nas respostas aos chatos que não gostavam de suas opiniões contrárias aos exageros do conservadorismo, o velho, mesmo sem ser ranzinza, comentava com seus antagonistas que, enquanto os mais radicais brigavam por política, ele tentava descobrir porque a galinha bebe água e não mija. Como se vê, em relação aos conflitos, no tempo do vovô as coisas não eram muito diferentes.
Lamentavelmente, os políticos do tipo mala sem alça que se acham bolsa de grife e que são os donos do mundo vêm desde aquela época. E os eleitores? Igualzinho aos de hoje. Getulista de bombacha, boina e facão com corte único, Aristarco Pederneira aceitava todas as formas de amar e as de se fazer política, menos a do udenista e pendular Carlos Lacerda, um dos maiores porta-vozes das ideologias conservadoras e direitistas, os quais continuam achando que são acima da lei.
Parece que estou vendo vovô sentado no toco do fundo do quintal divagando com um dos amigos de então a respeito da falta de consciência do eleitorado dos anos 50 e 60. Sem papas na língua, ele não escondia a insatisfação com os que aceitavam o cabresto. Não sei a quem ele se referia, mas uma de suas frases preferidas tinha a educação como direção. Segundo ele, já naqueles anos em que um homem documentado era somente um sujeito cheio de documento, se a estupidez política fosse um esporte, a maioria dos eleitores de sua roda seria atleta olímpico.
Nada mudou de lá para cá. Uma pena ter de repetir isso, mas a educação brasileira permanece tão ruim, mas tão ruim, que conheço eleitores achando que a função de um presidiário é presidir. Por isso, se pudessem, votariam de novo em Bolsonaro para presidente da República. De teorias simples, mas eficazes, os conselhos do velho eram do tipo feijão com arroz. No máximo, um bifezinho ao ponto com fritas bem passadas.
Por exemplo, ainda sobre a eleição, sua opinião a respeito da falta de candidatos melhores do que os que se apresentam a cada dois anos era das mais simples. Segundo ele, na dúvida o ideal era pedir ajuda a um dos fiscais eleitorais para encontrar a tecla Deus nos acuda. Persistindo a dúvida, ele radicalizava e informava aos inocentes juramentados que pior do que políticos em época de eleição só eles mesmos durante os anos de mandato. Vovô dizia e repito para os mais novos que votar é um dever cívico, desde que em candidatos que pelo menos saibam que o Brasil não é terra sem lei e, principalmente, que o presidiário não preside.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras
