Um dia na academia
Diante de belos glúteos, começo como deus grego e acabo como eunuco chinês
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Em busca de garantir melhores dias para a velhice, decidi apelar para os serviços domésticos de um personal bíceps e tríceps. A ideia inicial era aumentar o Rolleiflex e, se possível, transformar o físico esquelético em algo nem tão atlético, mas, quem sabe, menos caquético e um pouco mais frenético. Não deu certo. Além de homem de menos, o professor se achava a última pluma do saquinho de penachos de rabo de pavão. Percebi a tempo que meu objetivo estava acima do trivial. O que eu realmente precisava era de qualidade de vista. Isso mesmo! De vista. Daí para me matricular em uma dessas academias de grife foi um pulo.
Muito mais do que um pulo. Foi um salto no metafórico tatame perfumado de uma daquelas requintadas lojas de moda parisiense. Como nos salões medievais dos imperadores garanhões, os glúteos – posteriores, inferiores e centrais – pululam daqui para lá, de lá para cá e, às vezes, de lá para sei lá onde. Bastou um dia para eu me sentir um deus grego. Só me sinto. Como tenho responsabilidades caseiras, na verdade pareço um eunuco do Oriente Médio e da China. Normalmente emasculados, os sujeitos eram encarregados de cuidar dos haréns, local da casa reservado às esposas, odaliscas e até concubinas dos poderosos.
Com o devido respeito à patroa, assinei um contrato de curta duração com a academia. Das três vezes por semana, passei a “malhar” diariamente, das 6h30 às 23h59. Em 15 dias, na primeira avaliação, o instrutor deu o veredicto: língua felina, ácida, 6 centímetros fora da boca e necessidade urgente do uso de babador. Tudo por causa do meu olhar atento para a abundância muscular das chamadas nádegas femininas, conhecidas cientificamente como apêndice em prolongamento da extremidade inferior da coluna vertebral.
Meu Deus! Eis a prova cabal de que, em terra de bunda, o coração não tem vez. Objeto do desejo de nove entre 11 brasileiros, o produto que a maioria dos mamíferos ostenta como cauda (eu prefiro rabo) também faz diferença na balança comercial interna. Embora ainda seja exportado somente no mercado negro, o material é de primeira qualidade e se adequa perfeitamente ao gosto dos brazucas tarados por aquele bizarro prato de fim de semana: rabada sem gordura, com bastante músculo e preferencialmente despregada do osso.
Eita trem bão da gota serena! É chegar para malhar e me lembrar dos aconselhamentos de Ana Maria Braga, craque no cozimento de rabadas, muitas rabadas. Segundo ela, o homem que nunca comeu um rabo não sabe o que está perdendo. Gastronomia à parte, com o olhar fixo naquilo que é muito mais agitado do que o monótono espírito masculino dos homens, normalmente escorrego na esteira e caio de cara na bunda da forasteira. Digo forasteira porque dela não me interessa o nome, a filiação, o endereço, tampouco a procedência. Basta a traseira. Provinciano por obrigação, sei que bunda cada um tem a sua. A minha talvez não renda um pastel de carne.
Por isso, o prazer inenarrável pelo apreciamento do que é belo. Aliás, se pudesse pediria licença a Gonçalves Dias para mudar trechos do poema Canção do Exílio. Autorizado, escreveria que “Minha terra tem bundas como em nenhum outro lugar. As bundas que aqui rebolam não rebolam como lá”. Àquele meu amigo que não abre mão de óculos escuros na academia, recomendo esquecer a preocupação com o parceiro de malhação. Se ele não gosta, azar o dele. E pouco importa se a bunda à sua frente tem celulites. Graças à modernidade, seus óculos têm photoshop. O que a gente precisa lembrar todos os dias é que o vagalume é um bicho que só brilha por causa da bunda. Bom treino.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras