Emendas nababescas
Dinheiro na mão é tentação, mas no caso dos políticos, só vai gritando pega ladrão
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Ando tão à flor da pele que, mesmo sem autorização, decidi seguir os ensinamentos dos poetas. Perdido como os 217 milhões de brasileiros, esta manhã acordei com uma vontade danada de mandar flores para o delegado, fazer uma prece para o Diabo e até beijar o português da padaria. São tantas as razões para esse estado de torpor, mas a principal delas é não ter resposta para a pergunta que ouço diariamente dos chamados “patriotas”. De forma insistentemente chata, eles perguntam que país nós deixaremos para nossos filhos caso a esquerda se mantenha no poder.
Associados à pasmaceira e à incoerência de boa parte do povo brasileiro, o deboche, o escárnio, a zombaria, a falta de vergonha e a cretinice congênita da outra parte impede os mesmos “patriotas” de perguntar que filhos vamos deixar para o país se a direita vencer as próximas eleições. Não perguntam porque já sabem a resposta. Voltaremos ao pó. Após quatro, oito ou 12 anos de ditadura patriótica, se sobrar alguma coisa do Brasil certamente não servirá sequer para adubar o solo do novo Brazil. O que fazer com a população que não acredita que a nação está prestes a entrar em guerra por interesses políticos?
Nada a não ser torcer para que o povo se interesse por política da mesma forma que se interessa por futebol e, agora, pelas Bets. Embora não questione o resultado de uma recente pesquisa de opinião, a revelação de que quase 60% dos brasileiros têm vergonha dos ministros do STF, dos deputados, senadores e do presidente da República me obriga a questionar o descaramento dos que responderam à consulta. Em primeiro lugar, acho que a referência ao presidente deveria ser no plural, pois o anterior foi reconhecidamente muito pior do que o atual. Aliás, o pior de todos.
Depois, seria necessário informar aos consultados que presidentes da República não brotam no Palácio do Planalto. Da mesma forma, deputados e senadores não surgem do nada no Congresso Nacional. Todos são eleitos e, após a posse, passam a ser responsáveis pela indicação, avaliação e nomeação dos ministros dos tribunais superiores, inclusive do Supremo Tribunal Federal. Por fim, lamentavelmente constato que o povo que hoje se envergonha de seus representantes é o mesmo que os elegem, em troca de dois quilos de mandioca, uma dentadura, duas caixas de cerveja e meio quilo de carne moída para churrasco.
Portanto, sem generalizar, não há razão alguma para que aqueles nos quais couber a carapuça se chateiem quando alguém diz que os políticos do Brasil não são eleitos pelas pessoas que leem jornais, mas pelas que se limpam com eles. Ou seja, pior do que um político como os atuais é o cidadão que os defende. Liderados por Hugo Mota (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), os deputados e senadores da oposição choram rios de lágrimas pela falta de emendas, sempre em nome da sociedade pagadora, mas exigem que o governo Lula 3 gaste menos.
Eu defendo a mesma tese. O problema é que as excelências não seguem o que pregam. Pelo contrário. A via pela qual trafegam é de mão única. Por meio das emendas que recebem e nunca prestam contas, sobra para eles uma vida irreal e nababesca financiada com o dinheiro dos mesmos impostos pagos pelos pobres. Acorde, povo varonil. Acorde antes que o Brasil ainda com S vá para debaixo da ponte que partiu. Não espere a próxima eleição para reagir. Está na hora de todos nós acordarmos para a safadeza de nossos políticos da direita, da esquerda, do centro e do raio que os partam. De que adianta ser brasileiro somente na Copa do Mundo? É no dia a dia que somos aviltados, roubados e massacrados.
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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras
