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Ignorância e sabedoria

Disputa presidencial é a cara da incivilidade do país

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Exemplo de sabedoria, conhecimento e, principalmente, simplicidade, Mahatma Gandhi é autor de uma sucessão de frases e pensamentos sobre questões do corpo e da alma. Segundo ele, as doenças são os resultados não só de nossos atos, mas também de nossos pensamentos. Com base nos ensinamentos de Gandhi e de dezenas de outros pensadores, entre eles o romano Marco Túlio Cícero, posso afirmar que, entre os males físicos e espirituais deste e do século passado, a ignorância é a maior enfermidade do gênero humano. Por minha conta e risco, acrescentaria que o obscurantismo é mais letal do que as armas. É um mal implícito, nem sempre aparente, normalmente originário da mente e que gera resultados danosos a quem pensa que sabe tudo e a quem dele se aproxima com o objetivo simplório de mostrar que o interlocutor sabichão não sabe de nada.

Esse é o problema maior. A forma extremada do apedeuta está justamente na rejeição de algo sobre o qual nada sabemos. Em outras palavras, esse tipo de gente prefere ignorar a educação e a cultura recebidas. São aqueles que não dão a ninguém o direito de ser contra. No cotidiano, é comum ao cidadão da paz conviver com a intransigência como uma espécie de muralha capaz de impedir qualquer conversação em bom nível. Entretanto, é na política que os sintomas do ignaro mais aparecem. É nesse segmento que ele se acha mais inteligente do que o próximo. E não adianta explicar coisa alguma a um desinformado quando a ignorância é o que o sustenta. Pior é tentar mostrá-lo que a estultice é a satisfação de políticos mal intencionados. E destes, as histórias são fartas. São de fazer inveja aos enganadores.

A disputa presidencial deste ano – a pior que já enfrentei – é o exemplo mais óbvio de incivilidade, estupidez, boçalidade, insipiência e grosseria. Todos esses vocábulos são sinônimos da ignorância sobre a qual quero falar. Infelizmente, o fenômeno de conduta se aplica às duas candidaturas. Por conta disso, quase perdi o valor da fé. Cheguei a pensar em esquecer definitivamente do voto como uma eficaz arma contra os espertalhões e aventureiros. Despertei a tempo de perceber que existem dois tipos de pessoas: as que ainda merecem meu esforço e as estultas demais para me fazerem perder tempo. Busquei nos textos do professor Leandro Karnal uma única razão para não deixar de votar. Achei fácil: “A democracia não é o paraíso, mas ela consegue garantir que a gente não chegue ao inferno”.

Como entendo que estamos bem próximo dele (do inferno), optei pela certeza do filósofo e matemático grego Platão, para quem é preferível a ignorância absoluta ao conhecimento em mãos inadequadas. Novamente com a ajuda de Platão, conclui que vencer a si próprio é a maior das vitórias. Por isso, decidi votar no melhor dos piores. Embora aparentemente lógicos, os sofismas utilizados por um dos lados da campanha presidencial são argumentos com dolo, isto é, com a intenção de enganar o interlocutor. Nas duas últimas décadas, o Brasil sofreu uma sucessão de administradores ruins. Nada, porém, se iguala à retórica ditatorial ou à política de veneração pessoal que vivemos atualmente. Como dizia a ex-bolsonarista Sara Winter, “não venerar o Jair significa sofrer um assassinato de reputação”.

Esse tipo de afirmação não faz parte do fim do mundo. É a realidade brasileira. É a estrutura interna inconsciente, incorreta e deliberadamente enganosa. Em decorrência de seu passado recente, defender Luiz Inácio é complicado. Mais difícil é salvaguardar Bolsonaro depois de tudo que já foi mostrado ao Brasil e ao mundo. Na hipótese menos danosa, dele não surgiu nada de produtivo, de bom ou de aproveitável. Louvável que seus apoiadores o vejam com os olhos da paixão. Todavia, sugiro que esses fanatizados seguidores parem de pensar no que a vida poderia ser e comecem a pensar no que ela realmente é. Procurem entender que a idolatria e o fanatismo em relação ao mito são nacionais, mas, lamentavelmente, a vergonha que resulta dessa loucura é global.

Portanto, votarei em respeito a meus princípios democráticos. Mais do que isso, defenderei o direito de ser livre como um bem tão importante como a própria vida. Depois de 25 anos de escuridão, experimentei a liberdade em 1989. Valeu muito a pena. Tanto que, de lá para cá, mudei algumas prioridades. Votarei com a certeza de que é preciso preservar essa liberdade. Quanto aos ignorantes, a resposta é meu silêncio. Lembro de mais um antigo pensamento que sabiamente nos ensina que o ignorante grita e o sábio fala; que o ignorante ofende e o sábio se cala; que o ignorante perde-se nas palavras e o sábio encontra-se no silêncio. Indo mais longe, “descobri” William Shakespeare, cuja tese é que “a sabedoria e a ignorância se transmitem como doenças. Daí a necessidade de se saber escolher as companhias”. Mais direto, impossível.

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