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Enredo patético

Dissidência no samba golpista tirou o Brasil do atoleiro

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior - Foto de Arquivo/Antônio Cruz ABr

Luzes, cores e ação. Abram alas para o apoteótico desfile do bloco de sujo Me encantei com o mito e agora vou pagar caro. O grupo de foliões sem nexo dará lugar ao cortejo do Eu sozinho, que é como deve estar se sentindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Diante do último dia do derradeiro Carnaval da lenda tupiniquim sem as pulseiras de prata, o que resta dizer a não ser repetir a máxima de um dos fantasiados de togados do Supremo Tribunal Federal: “Perderam, Manés”. E tudo começou com o enredo Vamos golpear antes de Lula ganhar. O argumento dos reis da patetice era a falsa vulnerabilidade do sistema eleitoral brasileiro, particularmente das urnas eletrônicas, meninas do fígado apodrecido do capitão de íngua na garganta.

Tentaram, tentaram, mas não encontraram um único alfinete capaz de penetrar no servidor dos equipamentos sem os gritos das arquibancadas. O resumo da ópera foi zero, nota zero, em todos os quesitos avaliados pelos senhores da democracia. Foram as maquininhas de voto as responsáveis pela perda de pontos dos principais integrantes da cambaleante comissão de frente e da bateria sem bumbo, ambas muito distantes do tom mais agudo do puxador do samba. Vale lembrar que a letra e a melodia, compostas a várias e estreladas mãos desde janeiro de 2019, ficaram conhecidas quando, no dia seguinte à posse do líder maior da comunidade de enrolados sambistas, os diretores de Harmonia, Enredo, Fantasias e Adereços começaram a se reunir para dar forma ao abre alas da agremiação golpista.

O modus operandi da melação do desfile (a eleição) seria decidido no encontro do dia 5 de julho de 2022, envolvendo estagiários do pagode, diretores que não sabiam o que iriam dirigir e militares graduados, mas que, em decorrência do currículo de amadores, agiam como recrutas. Seria, mas deu tudo errado porque a história a ser contada somente na avenida vazou e deu no que deu: atravessaram de ponta a ponta. A primeira frase da sinopse do enredo era que jamais diga uma mentira que você não pode provar. O líder disse várias e não provou nenhuma. Começava ali a dissidência entre o chefe supremo da Escola de Samba Nós Vamos Dar Um Tiro No Pé e da coirmã Corram porque a PF Vem Aí. Antes tivessem feito como Getúlio Vargas, profissional na arte de não deixar rastros. Ou seja, a dissidência nas escolas golpistas salvou o Brasil do atoleiro eterno.

Passado o Carnaval e com a iminente derrocada das duas escolas, fica a pergunta: Por que continuar homenageando uma personagem que não sabe saracotear, muito menos sambar, mas, em breve, terá de rebolar redondinho no quadradinho do xerifão? Aliás, a ordem no STF é macetar sobre os golpistas, independente das patentes e da função ocupada na elaboração do script da urdidura antidemocrática. Os votos definitivos já estão armazenados nos envelopes lacrados do bate-bola Carecon. Jurado principal dos quatro anos em que os meia tigela atravessaram o samba, Carecon tem na ponta da língua a resposta para eventuais críticos da decisão que não foi formalizada: Só não deram o golpe por razões alheias à vontade dos dirigentes.

Provavelmente não constará dos autos, mas certamente a cobra não fumou porque, associados à falta de apoio internacional e à retirada de passistas poderosos, superiores hierárquicos com maior peso na liga fardada e com a testosterona à flor da pele subiram na mesa, balançaram o cassetete, gritaram e evitaram a intentona logo após a entrada do primeiro carro alegórico na avenida. Os bedéis não tiveram alternativa. Perderam e o futuro é por demais conhecido. Se houver, o próximo desfile da turba mais aculturada será na Avenida da Papuda. Para os metidos a mito sobrará o sol escaldante do Sambódromo de Bangu, passarelas de 1 a 8. Aguardemos o dia da apuração. A abertura dos envelopes pode trazer surpresas desagradáveis para muitos dos falsos sambistas. Eles pesquisaram, não encontraram nenhum indício de vulnerabilidade nas máquinas de votar, mas insistiram na tese de fraude.

Em suma, tiveram tempo para acompanhar a bateria no recuo, mas preferiram manter o som desconexo do pandeiro até a dispersão. Como o xerifão e seus juízes não dormem no ponto, a Mangueira ultrapassou o Beija-Flor dos puxadores do samba, perfurou a cuíca dos ritmistas da escola Nós vamos dar um tiro no pé e atingiu em cheio o reco-reco do diretor de Evolução da Corram que a PF vem aí. Nem a porta-bandeira ficou para catar os cacos. Antes que avaliassem seus rodopios na corte principal, deu no pé. Na apoteose, disseram que, fantasiada de colombina, ela só volta no próximo Carnaval ou no dia seguinte à posse do arlequim à frente do bloco O que era doce se acabou. Para os robotizados “patriotas” sobram inscrições na agremiação recém-fundada Não era mito, era cilada. Fica a dica. Para os que pagaram com traição àqueles que lhe deram a mão, resta o grupo de acesso.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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