Constituição cidadã
Do “trem” ao Minhocão e do oxente ao tchê, o Brasil é de todos
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Sapassado, enquanto esperava o forno isquentá pra ferver um lidileite e cuzinhar um kidicarne com mastumate, mesmo sem autorização prévia, associei o presidente Luiz Inácio ao povo mineiro. Ninguém reclamou, mas não é de bom alvitre misturar gente com gentílicos. É cada qual no seu canto, no seu quadrado. E viva o Brasil. Silencioso e mais coisado do que os demais brasileiros, o povo das Minas e das Gerais é dividido entre o minerês Doncovim, Oncotô, Proconvô, Pó pô pó e Só um cadim.
Mineiro usa o trem para qualquer trem e, conforme a lenda, só não compra bonde porque inventou o avião. Nada mais lógico. Embora não tenha mar, não à toa Minas Gerais é do tipo terra boa, de gente boa e feliz. Mineiro é do tipo faceiro, muito sabido e adora sonorizar o Uai e o Sô em ré médio nas prolongadas reuniões do Clube da Esquina, para onde vão contar causos e tirar bicho de pé. Às vezes, depois de aprumar o corpo, ao som da Canção da América, a mineirada lembra que Minas é o único dos 26 estados e do Distrito Federal que já teve um presidente bossa nova.
Embora fosse fã da genuína MPB, Juscelino Kubitschek adorava a mineira Peixe vivo, do compositor e intérprete carioca Milton Nascimento. Seja do Galo, da Raposa ou do Coelhos, os mineiros amam dizer que comem quieto, mas odeiam quando algum gaiato, normalmente um carioca, diz que eles fazem um escândalo danado quando dão. Brincadeiras sem graça à parte, não podemos esquecer que é de um mineirão os melhores e mais engraçados versos sobre alguns dos estados brasileiros.
Refiro-me ao compositor Eduardo Araújo, para quem em São Paulo quase tudo termina em ão. O campeonato é Paulistão, o Corinthians é o Coringão e os atalhos que levam ao Minhocão são chamados de caminhão. O que ele esqueceu é que, obras do inoxidável Paulo Maluf, o Minhocão e o Rodoanel são construções em homenagem ao falecido costureiro e deputado federal Clodovil Hernandes. Por falar em lendas, o autor de O Bom não esqueceu do pelotense machão gritando Oxente em lugar de Tchê, tomando um chimarrão na cuia com as cores do Grêmio e vendo o Colorado campeão.
Da hospitalidade do Rio de Janeiro, sobrou o carioca duka e gozador, tomando mate gelado com limão em Ipanema ou em Maria Angu e, mesmo de folga nos dias de trabalho, vive na paquera a semana inteira. Eita povo malandro. “Cabra da peste e gente boa do Nordeste”, o pernambucano é da mesma trupe que chega da Paraíba, Ceará, Sergipe, Alagoas e Bahia, estados que, além dos marechais, de Ariano Suassuna, Jorge Amado, Raul Seixas, Zé Ramalho, Fagner, Chico Anysio e Djavan, também geraram Caetano, Bethânia, Gal e Gil. Aliás, foi em um deles que se descobriu o Brasil.
Como se vê, é realmente cada qual no seu canto. De Brasília e Goiás ao Espírito Santo, do Oiapoque ao Chuí, do Acre ao Amapá, de Tocantins ao Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e do Pará a Santa Catarina e Paraná onde se plantando tudo. Basta plantar. Eis a máxima que todos devemos seguir: plantar, plantar e plantar. Salve salve todo o povo brasileiro. Está escrito na Constituição cidadã de Ulysses Guimarães que o Brasil é de todos.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras