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Otávia e Otávio

Don Juan da terceira idade arrisca a última cartada com estagiária

Publicado

Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

“Porque a velhice nos torna, antes de tudo, incapazes de empreender, porém não de desejar.”

Marcel Proust, A fugitiva, livro 6 de Em busca do tempo perdido.

Ela era uma jovem estagiária; ele, o diretor do departamento de marketing da empresa. Conheceram-se – ela trabalharia no setor que ele dirigia –, acharam graça nos nomes tão parecidos, Otávia e Otávio, e logo passaram a flertar. Discretamente, era inevitável, dadas a diferença de idade e na hierarquia corporativa.

– Sabe, Otávio (ele exigira que ela descartasse o “doutor” e, pior, o “seu”, ela obedecera docemente) estou adorando trabalhar com vocês. A cada dia aprendo coisas novas!

“Com vocês ou com você?”, pensou Otávio. “Estou com 76 anos, mas ainda tenho uma coisinha ou outra a ensinar a essa potranca!”

– Ora, Otávia, você é a luz que ilumina o departamento!

– Galanteador, rsrs. Você deve dizer coisas assim a todas…

– Não, juro, só a você – e, sem sorrir, mandou. – A verdade é que a desejo, estou fazendo uma força dos diabos para não babar na gravata, para não me apaixonar.

– Não seria tão mal assim – ela murmurou, a voz sedutora, acariciando com a língua o lábio inferior.

Otávio engoliu em seco. A bola estava em seu campo, cabia-lhe decidir o próximo lance.

– Quer jantar comigo amanhã? Em minha casa? Sou um excelente cozinheiro. E sei controlar meus impulsos libidinosos – e riu, confiante, lobo experiente, cheio de cicatrizes adquiridos nos embates do amor.

– Não se reprima – ela cantarolou.

Ele lembrou-se, era um antigo sucesso do grupo musical Menudo. Olhou-a, sério, acariciou-lhe o braço e passou-lhe o endereço.

Em casa, na mesma noite, Otávio examinou-se criticamente, diante do espelho. Viu refletida a imagem de um senhor distinto, cujos cabelos grisalhos começavam a embranquecer (e também a cair, em proporção alarmante). O rosto, cheio de rugas – devido a vivências, não à idade, disse a si mesmo, tentando convencer-se – ainda era atraente.

Examinou em seguida as partes baixas. “Nada mal”, pensou, “herdei de meu pai um belo dote. E, graças aos deuses e às azulzinhas, está tudo funcionando nos conformes”. Disse em voz alta:

– É, acho que poderei dar um trato naquele piteuzinho.

Essas palavras trouxeram-lhe a imagem de Otávia. Mais sedutora que bonita, devia ter uns 25 anos – bem podia ser sua neta, murmurou-lhe sua importuna consciência crítica, seu grilinho falante, como ele dizia sempre –, não muito alta, o talhe esguio, os seios pequeninos. Exatamente o tipo de mulher de que ele mais gostava. Mas havia a diferença de idade e, ainda mais grave, de posição na empresa…

Após essa reflexão sóbria, se não estivesse cego pelo desejo, Otávio devia ter pesado os riscos e desistido da empreitada, renunciado ao projeto “passar Otávia na cara”, ligado pra ela e desmarcado, algo assim. Mas estava louco de tesão, ignorou as palavras do grilinho falante e foi dormir.

O jantar, na noite seguinte, foi um sucesso, ele era mesmo um ótimo cozinheiro. A transa, nem tanto; experiente, percebeu que a jovem fingia um prazer que não estava sentindo. O pior é que, em determinado ponto, ela passou a interpretar a donzela relutante.

– Seu Otávio, não faz isso comigo, me deixa ir embora, por favor!

O imbecil, claro, devia ter parado de imediato. Mas achou que era um recurso para apimentar a coisa e foi em frente, até o clímax. Ela certamente não chegou ao orgasmo, talvez por isso ficasse emburrada, respondendo com monossílabos a suas tentativas de puxar conversa, depois de findos os trabalhos.

No dia seguinte, na empresa Otávia o chamou.

– Otávio, precisamos conversar.

Arrastou-o para uma sala deserta e mostrou-lhe a gravação de imagem e áudio em seu celular.

– Tenho cópias com amigos, caso você pense em me atacar para apagar a gravação.

Ele nem pensou em algo assim, estava em choque.

– Se…se você mostrar isso a alguém, eu perco o emprego – conseguiu finalmente balbuciar o ex-predador transformado em presa. – O… o que você quer?

– Contratação imediata, claro. E, daqui a três meses, uma promoção. E cinco meses depois, mais uma. A terceira pode demorar sete meses depois da anterior, para que não desconfiem.

Vendo a expressão aturdida no rosto do ex-amante, a jovem riu e deu-lhe um beijinho na testa.

– Bobo, não fique assim. Você e eu vamos dirigir muito bem o departamento. Só não vamos transar de novo.

E cravou-lhe a bandarilha, ágil toureiro diante do touro amedrontado e exausto:

– Não gosto de fazer com velho.

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