Quando o passado vem à tona
Dona Benedita não perdoa e faz revelação bombástica
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Pedro Matias, que ganhou a alcunha de Zero-Zero na Magnu, a mais afamada oficina para os lados de Sobradinho, parece que anda ressabiado com dona Benedita, cliente das mais assíduas. Leopoldo, dono do estabelecimento, acha graça da situação, ainda mais porque o seu funcionário sempre botou banca de garanhão.
Para quem não sabe, não faz a menor ideia ou desconhece, Pedro Matias serviu o exército por algum tempo até chegar ao posto de cabo. Aliás, o gajo era conhecido no quartel de Formosa-GO por ser o único com permissão para usar bigode, pois havia pedido ao comandante, que foi com a cara do sujeito.
Cabo Matias, pois era esse o nome de guerra do rapazola. No entanto, até onde se tem conhecimento, a única batalha travada foi no cabaré da dona Santinha. Dizem as boas e as más línguas que a comerciante do amor tinha trânsito livre até com o governador.
A despeito de fazer parte da clientela da casa de luxúria, Cabo Matias começou a arrastar a asa para Rosinha, moça da igreja, que, até onde se tinha notícia, ninguém lhe tocara os lábios. Dona Lourdes, mãe da senhorita, que conhecia de longe a má fama do sujeito, fez de tudo para afastá-lo da filha. Mas sabe aquele ditado que diz que quanto mais afasta, mais o Diabo quer juntar?
Em menos de mês, lá estava o jovem casal, braços dados, desfilando pela praça em frente à igreja. Não pense você que a coisa era solta, pois lá estava dona Lourdes logo atrás que nem cão pastor protegendo ovelha de lobo. E assim ficou até que, no final do ano seguinte, após curto período de namoro, somado a respeitáveis meses de noivado, o casório aconteceu.
Cabo Matias e Rosinha pareciam o par perfeito. Ele saía cedo para o quartel e, quando dava, retornava para o almoço para se deliciar com os pratos típicos preparados pela esposa. Tudo dentro dos conformes de verdadeiro conto de fadas.
Agora vamos dar um corte nessa história e retornar para a oficina do Leopoldo, alguns minutos antes do Pedro ficar cabreiro com dona Benedita. É que, até então, os dois não se conheciam.
Leopoldo, mal abriu a oficina, se deparou com dona Benedita ao volante de um velho Fusca azul. A velha queria que dessem um trato no veículo, pois ele participaria de um encontro de apaixonados por automóveis antigos. Acertados valores e tempo de entrega do serviço, Dona Benedita foi apresentada então mais novo funcionário da Magnu.
— Zero-Zero?
— É, dona Benedita. É assim que eles me chamam por aqui.
— Hum! Te conheço de algum lugar, seu Zero-Zero.
— Acho que não, dona Benedita.
— Hum! Pois não sou de esquecer facilmente de um rosto.
A idosa fitou o Pedro por alguns instantes, balançou a cabeça e, assim que já estava pensando em desistir, abriu aquele sorriso.
— Já sei!
— Já sabe o quê, dona Benedita?
— Seu Leopoldo, já sei de onde conheço o seu funcionário.
— E é de onde?
— Ele era o marido da Rosinha.
— Rosinha?
— Sim, Leopoldo!
— Ei, Zero-Zero! Tu já foi casado?
— Já, mas não sou mais.
— Também, depois do chifre que você tomou.
— Ô, dona Benedita, agora a senhora acabou comigo. Já estava até me esquecendo desse episódio lamentável da minha existência.
Pois é, dizem que Rosinha, frequentadora tão assídua da igreja, recebia a visita do pastor sempre que o Cabo Matias saía para trabalhar.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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