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Asa Norte

Elói, o namorado trapalhão

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Brasília é reduto de gente vinda de todas as partes do país e, por isso mesmo, não poderiam faltar os oriundos do estado mais meridional, o Rio Grande do Sul. E Kelly Schmidt, cujo parentesco com o grande poeta Frederico Augusto é nenhum, ainda guria, teria parado na capital por conta de remoção do seu papai, Gumercindo, para um setor do Banco do Brasil no início da Asa Norte.

Kelly, o pai e a mãe, Aurora, vieram de Passo Fundo, considerada a cidade mais gaúcha. Não à toa, os três faziam questão de manter a tradição. E ai de quem viesse com gracinha sobre os hábitos sulistas. Era briga na certa.

Pois bem, a bela Kelly, cujos cabelos loiros pareciam ter sido arrancados de espiga de milho, andava de namorico com o Elói, cujas origens eram do Nordeste, mais precisamente de Sobral, cidade do Ceará famosa por ser berço de algumas celebridades, entre as quais o saudoso Belchior.

Mas não pense você que o gajo era o único interessado na gata do Sul. Nananinanão! Havia pelo menos meia dúzia de rapazes de olho, mas Kelly, após quase uma semana avaliando as possibilidades, optou pelo cearense. Elói, que vem do latim eligere, por sinal, significa o escolhido, o eleito.

Após quase dois meses de namoro, Kelly decidiu que era hora de apresentar o amado aos pais. Seria justamente no domingo seguinte, quando Gumercindo iria preparar um churrasco para os colegas de banco.

Elói, nerd da tecnologia, resolveu aprender um pouco da cultura gaúcha para não fazer feio diante dos sogros. Buscou na internet um pouco do vocabulário típico sulista. Treinou algumas palavras em frente ao espelho. Afinal, queria parecer o mais natural possível.

O gajo não queria ficar borracho e, por isso, precisaria controlar a bebida, ainda mais porque não teria como chamar um táxi, e iria mesmo voltar de banzo. Pensou em levar umas bergas, mas declinou, pois imaginou que o sogro pudesse achá-lo um chinelão.

Churra, cusco, mandar pra banha, cacetinho, chima, maniático, posudo, pilchado, sangria desatada… A lista, de tão enorme, acabou provocando certa confusão no Elói. Por isso, ele decidiu que já estava de bom tamanho.

Mal chegou à casa da namorada, Elói estranhou a vestimenta do sogro, que estava paramentado que nem gaúcho típico: bombacha, camisa, botas, chapéu, chiripá e colete. Só não estava de pala porque a temperatura estava aprazível.

Apresentado aos anfitriões, Elói, a princípio, refugou. Todavia, pigarreou e, não tardou, pareceu ser o dono da situação.

— Satisfação, seu Gumercindo. Satisfação, senhora Aurora. Aliás, agora sei de onde a minha prenda puxou tanta belezura.

Gumercindo observou o quase guri, abriu um sorriso por debaixo do vasto bigode e, talvez para não causar constrangimento desnecessário, lhe ofereceu um lugar à mesa. Não demorou, o dono da casa pegou o porongo com mate e pediu para a filha entregá-lo ao namorado. A partir desse instante, a coisa começou a desandar. Elói, com a cuia em mãos, tentou buscar pela memória o nome daqueles apetrechos.

— Seu Gumercindo, como é mesmo que a gente chupa esse canudinho?

O homem, cara de reprovação, arregalou os olhos, deu duas ou três bufadas, mas foi contido por Aurora, que lhe tocou o braço. Entretanto, Elói, que percebeu o constrangimento causado, quis consertar a situação, mas a emenda saiu pior que o soneto.

— Seu Gumercindo, me perdoe! Como sou tapado! Sei que o nome certo desse canudinho é cacetinho. E aprendi que cada um chupa um pouco e vai passando pro outro. Depois de mim, quem vai ser o próximo a chupar o cacetinho? Vai ser a senhora, dona Aurora?

Pelo visto, ficou óbvio que o romance não vingou. Kelly trocou de namorado rapidinho. Um pernambucano. E, antes de apresentá-lo aos pais, resolveu aguardar pelo menos seis meses para que o sujeito não cometesse as mesmas barbaridades do Elói. Aliás, ele ainda está solteiro.

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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).

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