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Um adeus

Emmanuelle, a atriz que soube ser mulher na tela

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Luiz Zanin Oricchio

A grande atriz francesa Emmanuelle Riva morreu na sexta-feira, 27, aos 89 anos. Há muito a dizer sobre ela, mas, para começar, devemos lembrar três momentos cruciais de sua carreira.

Primeiro, foi a atriz principal de Hiroshima, meu Amor (1959), de Alain Resnais, simplesmente um dos maiores filmes de todos os tempos.

Depois, foi protagonista de Kapò (1960), obra de Gillo Pontecorvo sobre campos de concentração, que desencadeou uma polêmica crítica viva até nossos dias.

Por fim, ressurgiu para a cena mundial com o lindo, muito duro, e também polêmico Amor (2012), de Michael Haneke.

São três momentos importantes, o primeiro acima de todos. Hiroshima, de 1959, fala dos traumas da guerra através do relacionamento amoroso entre uma mulher francesa (Riva) e um arquiteto japonês. É um trabalho memorialístico, em que ela evoca um outro amor, um alemão, vivido durante a guerra. Sobre o casal paira a sombra do holocausto nuclear da cidade japonesa. O filme é estupendo, um dos mais importantes da nouvelle vague e continua até hoje na lista dos melhores de todos os tempos. Muito desse sucesso se deve a Riva.

Em Kapò – Uma História do Holocausto (1960), do diretor italiano Gillo Pontecorvo, Riva faz uma mulher presa num campo de extermínio nazista. O filme ficou famoso por causa de um plano (uma cena, na verdade) e uma crítica. A cena é da personagem de Riva suicidando-se ao se jogar contra o arame eletrificado que cerca o campo. A câmera faz zoom sobre a sua mão fincando-se no arame. O crítico (e cineasta) Jacques Rivette revoltou-se e escreveu um artigo famoso, De l’Abjection (da Abjeção) tachando de “obsceno” o plano com a mão da condenada no arame eletrificado. A ideia de que não se pode mostrar tudo e o pudor moral contra determinado tipo de exposição do cinema animam debates críticos até hoje.

Terceiro, e chegamos ao tempo presente com Amor (2012), de Michael Haneke. Nele acompanhamos um casal idoso e altamente culto formado por Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant. O drama se estabelece quando a mulher é atingida pelo Mal de Alzheimer e o marido não sabe mais o que fazer para minorar o sofrimento da esposa. O filme também causou frisson, foi acusado de exaltar a eutanásia, mas, em meio à polêmica, deu um prêmio César a Riva. Além disso, a produção venceu a Palma de Ouro e o Oscar de filme estrangeiro.

Eis aí, em poucos traços, o retrato de uma atriz que soube se manter na crista da onda, da juventude à velhice. Fez também longa e constante carreira no teatro. Aliás, foi ao vê-la numa peça em Paris que Alain Resnais decidiu convidá-la para recitar o texto de Marguerite Duras em Hiroshima. Entrou para sempre no imaginário cinéfilo. Trabalhou, entre as 65 produções de que participou, para Jean-Pierre Melville em Leon Morin, Padre, e Georges Franju, em Therèse Desqueyroux. Trabalhou com diretores tidos como exigentes como Philippe Garrel e Marco Bellocchio.

Amor, de Haneke, foi uma espécie de ressurreição para o grande público. Em sua carreira de alto nível, muitas vezes fizera papéis coadjuvantes e por isso mantinha imagem discreta diante do público. Os amantes do cinema, no entanto, jamais a esqueceram quando fala o diálogo célebre escrito por Duras para Hiroshima: “Você me mata, você me faz bem”. Imensa atriz.

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