Jornalista desfigurado
Empresário denunciado como mandante de ataque covarde em Recife
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Em uma tarde que deveria ser comum nas ruas de Boa Viagem, no coração da Zona Sul do Recife, a brutalidade rasgou a rotina e desfigurou um rosto — e talvez, por algum tempo, a própria liberdade de imprensa em Pernambuco.
O Ministério Público local denunciou o empresário Rodrigo Tavares Ramos, de 35 anos, como mandante de uma agressão covarde e premeditada contra o jornalista Ricardo Antunes, conhecido por sua atuação independente e denúncias contundentes contra os poderosos. A violência aconteceu em plena luz do dia, em novembro do ano passado, diante de testemunhas, câmeras e da cidade atônita.
Segundo a denúncia, o ataque foi um recado sórdido: uma retaliação cruel às reportagens publicadas no blog de Antunes, que expunham possíveis irregularidades cometidas por Tavares na gestão da rede de clínicas populares que comanda em Recife e na Região Metropolitana. Entre as denúncias estavam casos alarmantes: agressão a pacientes, uso de registro médico vencido e até falsificação de assinaturas — tudo isso em unidades que deveriam zelar pela saúde da população mais vulnerável.
Mas em vez de responder com documentos, esclarecimentos ou ações legais, Rodrigo Tavares — afirma o MPPE — escolheu silenciar com os punhos.
O executor da violência, Pedro Henrique Costa de Oliveira, de 29 anos, foi identificado como o homem que, à saída de uma barbearia, se aproximou de Antunes com a frieza de quem cumpre uma ordem. Um único golpe, um soco no rosto, foi suficiente para derrubar o jornalista. Mas não foi tudo. No chão, indefeso, Ricardo Antunes foi espancado com tamanha brutalidade que teve o rosto afundado, precisando de uma cirurgia delicada de duas horas para reconstrução facial, envolvendo a implantação de placas, pinos e 33 pontos no rosto. O jornalista quase perdeu o olho esquerdo.
“O crime foi registrado por uma câmera, de dentro de um carro, como se fosse uma cena ensaiada, encomendada para ser exibida. E foi. O vídeo correu as redes sociais como uma ameaça velada a todos os que ousam falar demais”, diz a denúncia do MPPE.
Os promotores foram categóricos: o crime foi planejado, executado e filmado com o claro intuito de destruir a imagem, a honra e o corpo da vítima. E a motivação, segundo a investigação, não deixa dúvidas: as reportagens de Ricardo Antunes incomodavam — tanto que foi necessário silenciá-lo, com sangue.
A conexão entre mandante e executor foi reforçada por vídeos anexados aos autos, nos quais Tavares e Oliveira aparecem juntos. O MPPE também revelou que Rodrigo Tavares tem histórico de violência, com registros de ameaças e violência doméstica, o que traça um retrato ainda mais sombrio do acusado.
Ambos respondem agora a uma ação penal na 3ª Vara Criminal do Recife, por lesão corporal gravíssima. A pena pode chegar a 11 anos de prisão — um número que, mesmo que cumprido, jamais apagará da pele e da memória de Ricardo Antunes o horror daquele dia.
No epicentro desse drama, fica a pergunta incômoda: até quando se poderá escrever a verdade sem sangrar por ela?