Livros
Encontro às cegas
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A leitura sempre ocupou um lugar essencial na minha vida. Costumo dizer que os livros moldaram meu caráter e influenciaram profundamente minha forma de ver o mundo. Por isso, escolho com cuidado o que vou ler — é uma decisão que levo muito a sério.
Diversos fatores habilitam um livro a merecer minha atenção: uma indicação de amigo, uma menção em série ou filme, ou até uma notícia. Mas, sem dúvida, a escolha mais divertida acontece quando me deparo com um título inusitado — um daqueles que, à primeira vista, não revela nada sobre o conteúdo da obra.
Tenho pavor de spoilers. Por isso, evito trailers – hoje em dia, esses vídeos de pouco mais de um minuto entregam praticamente todo o enredo das produções cinematográficas. Da mesma forma, leio sinopses com extrema cautela, interrompendo a leitura quando percebo que parte considerável da trama está sendo revelada.
Dependo muito, portanto, da habilidade do autor em condensar a essência de sua obra nas poucas palavras que compõem o seu título. A primeira vez que percebi o poder de um título instigante foi ao me deparar com Atlas de Nuvens (Cloud Atlas, no original), de David Mitchell. O contraste é instigante: a palavra “atlas” evoca mapas estáticos, enquanto nuvens são efêmeras e mutáveis. O que seria, então, um “Atlas de nuvens”? Movido pela curiosidade, li o romance — e entendi que não poderia haver nome mais adequado para aquela narrativa multitemporal.
O espanhol Carlos Ruiz Zafón mostrou-se um especialista nessa arte ao nomear alguns de seus principais romances: “A sombra do vento” (La sombra del viento) por exemplo, traduz com precisão o clima de mistério que envolve um personagem nunca visto, mas sempre presente. “O prisioneiro do céu” (El prisionero del cielo) define de forma poética a loucura do protagonista do romance que o antecede “O jogo do anjo” (El juego del ángel), tornando a escolha do nome ainda mais genial, pois o título só faz sentido quando lemos toda a tetralogia “Cemitério dos livros esquecidos”.
Há casos em que a imaginação do autor excede nossa capacidade de interpretação, como em “Será que os Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” (Do Androids Dream of Electric Sheep? No original) de Philip K. Dick, não à toa, no cinema, a adaptação ganhou um nome mais comercial: Blade Runner (“Blade Runner – O caçador de androides” no Brasil).
Em certas ocasiões, o título do livro entrega exatamente o que está por vir — e isso não é um defeito. Foi o caso de “O centenário que fugiu pela janela e desapareceu” (Hundraåringen som klev ut genom fönstret och försvann), de Jonas Jonasson. A narrativa é tão espirituosa que precisei interromper a leitura várias vezes, apenas para me recompor das gargalhadas que ela me arrancou.
Escolher um livro apenas pelo título é como aceitar um convite para um encontro às cegas: envolve risco, exige coragem, mas pode surpreender de forma encantadora. Para quem lê por prazer, essa aposta quase sempre vale a pena.