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Amigo-formiga

Enquanto o sétimo não chega, vivemos neste mundinho

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Contam os mitos dos hopi, grupo indígena do Arizona, Estados Unidos, que seus ancestrais sobreviveram à extinção de três mundos. O primeiro foi destruído pelo fogo, expelido pelos vulcões; o segundo foi coberto pelo gelo e o terceiro pereceu em um dilúvio. Os hopi vivem agora no Quarto Mundo, ou quarta era, que deverá ter o fim trágico de seus antecessores. Mas estão confiantes de que sobreviverão no Quinto Mundo (são sete, no total), onde a vida será bem melhor do que no atual.

Em sua jornada de uma era a outra, os hopi informam que contaram com a ajuda dos deuses e de visitantes das estrelas, seres minúsculos que os orientaram em suas práticas agrícolas, em todos os aspectos de sua cultura. São representados nas bonecas artesanais tendo na cabeça algo semelhante a capacetes de astronauta. Eles os chamam de annu-akis, o que, segundo algumas fontes, significa “amigos-formigas”.

A impressionante semelhança entre as palavras hopi e o termo anunnaki, que designa um grupo de seres divinos ou celestiais da antiga Mesopotâmia – crença compartilhada pelas culturas suméria, acádia, assíria e babilônica – levou os teóricos dos antigos astronautas ao ápice de excitação. Eles acreditam que, com o retorno próximo dos pequeninos e frágeis annu-aki ou dos poderosos anunnaki, a humanidade poderá, afinal, tomar posse de seu legado, os domínios das estrelas.

No entanto, se depender dos hopi, isso vai demorar. Este texto explica por quê.

Muito abaixo das aldeias hopi, em cavernas, vivia um grupo de seres minúsculos, vindos das estrelas – segundo os mitos indígenas, da constelação de Órion. Estavam ali há milênios, e haviam orientado os hopi em suas migrações até o Quarto Mundo. Sua missão era, mais uma vez levar o povo eleito para uma nova era, de abundância e bem-estar. Os hopi os chamavam de “amigos-formigas”; por sua vez, eles os chamavam de tsay, que no idioma nativo significa “criança”.

Os seres estelares tinham vidas de longuíssima duração, mas não eram imortais. Pouco a pouco, passaram a morrer, provavelmente vítimas da radiação de rochas do subsolo. Os sobreviventes, apenas dois, lembraram-se das categóricas instruções recebidas: “Quando o grupo de instrutores estiver quase extinto, será a hora de transmitir aos tsay novos conhecimentos”. Assim, prepararam-se para voltar à superfície. Mas um deles, bastante enfraquecido, morreu antes de empreender a jornada, de modo que apenas um encarou o desafio.

Enquanto galgava, centímetro a centímetro, o longo e penoso caminho até as aldeias hopi, estruturadas em terraços nos planaltos, as casas feitas de adobe, o emissário das estrelas pensava:

“Como estarão as crianças agora? Em nosso último contato, lhes ensinamos melhores práticas agrícolas, rudimentos de astronomia, para saberem quando plantar, e aperfeiçoamos sua cerâmica. Mas isso não é nada, diante do que aprenderão para criar o Quinto Mundo”.

Um desses ensinamentos era a telepatia, que assegurava comunicação instantânea e sem embustes entre todos os indivíduos; outro era o teletransporte, deslocamentos físicos imediatos; um terceiro era a transformação da matéria pelo pensamento, que assegurava bens ilimitados e gratuitos para todos. “Com isso, todos os povos, não apenas os tsay, ingressarão em uma era de paz e abundância”, concluiu, feliz. E, com esse pensamento, emergiu no meio de um salão reservado a cerimônias religiosas, onde um velho cochilava junto a uma fogueira.

Era um xamã. Idoso e cego, era o líder espiritual de sua comunidade. Ele estava tendo um pesadelo, em que estava prestes a ser atacado por uma serpente. O ser estelar começou a dizer-lhe, “Criança, saudações”, mas só ficou no tsay.

Ou o proto-uto-asteca, que o amigo-formiga utilizou, havia se diferenciado muito, ao longo de milênios, do hopi contemporâneo, que no entanto pertence a essa família linguística; ou, hipótese mais provável, o xamã, surdo pela idade e ainda meio adormecido, julgou ter ouvido o silvo de uma serpente pronta a dar o bote, o fato é que o velho pegou seu cajado ritual e desferiu um golpe na direção de onde vinha o som. A pancada atingiu em cheio o amigo vindo das estrelas, matando-o instantaneamente. Sobrou apenas uma poça de sangue e cartilagens, que os cães da aldeia logo devoraram.

É por isso que continuamos condenados ao Quarto Mundo, desigual, injusto e mercantilista. Fazer o quê?

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