Cidade florida
Entre tesourinhas e eixões da capital da República
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Brasília não tem ruas como outras cidades. Tem quadras, superquadras, entrequadras. Tem eixos — eixão, eixinhos — e as tais das tesourinhas, que são mais do que atalhos: são passagens de tempo e de olhar.
Na seca, a cidade inteira se reinventa. O céu mais azul, o ar mais seco, os narizes que reclamam… e os olhos que agradecem. Porque é nessa época que os ipês tomam conta de tudo.
Amarelos, roxos, brancos, rosas.
Espalham-se como se tivessem sido semeados pelo vento. Não escolhem lugar: aparecem entre prédios, nos canteiros, no canteiro do meio do eixão, entre viadutos, na frente de hospitais, de supermercados, de bancas de jornal.
Até a geometria da cidade parece se curvar diante da explosão de cor.
Outro dia, saí para um pequeno tour fotográfico.
Câmera em uma mão, celular na outra. Parei em viadutos, nas passarelas, nas entrequadras. Andei por avenidas com nomes de letras e números, onde o concreto costuma dominar. Mas, naquela tarde, era o amarelo que mandava.
Lembrei da frase que dizem por aí: Brasília é uma cidade que se aprende a amar.
Talvez seja verdade.
Mas é também uma cidade que, quando floresce, ensina a gente a olhar.
A secura da estação contrasta com a exuberância dos ipês. É como se a natureza dissesse, com cores vibrantes: “Nem tudo é o que parece.” E essa é, talvez, uma das lições mais bonitas da cidade.
Atravessar uma tesourinha nos meses secos é ver o inesperado: um ipê em flor entre o concreto e o céu.
É quando a arquitetura cede à poesia.
É quando Brasília — tão racional, tão simétrica — suspira.
E a gente também.