Amor de verdade
Epístola ao Invisível
Publicado
em
A verdade é que, quando o afeto primordial se desfaz,
o mundo muda de tom.
As cores se tornam lembrança,
os sabores se tornam eco,
e até o corpo aprende a respirar diferente.
Depois disso, o amor é uma tradução imperfeita,
um gesto com vestígios de memória,
um toque que carrega o som de um nome esquecido.
Outros surgem, sim.
Presenças que acendem a pele,
olhares que decifram o desejo,
e em algum canto da alma,
um afeto tênue se instala,
como se fosse amor por alguns dias.
Mas não é o mesmo compasso.
A solitude se transforma,
mais leve, mais íntima,
porque ninguém mais possui
a chave para quebrar o que já foi reconstruído.
Você já foi cristal partido,
madrugada sem repouso,
coluna arqueada sob o peso
dos mundos que não eram seus.
Já chorou em silêncio sob águas frias,
lavando a dor com rituais solitários,
orando ao reflexo para que ele não se apagasse.
E, ainda assim,
você permanece.
Com o corpo pulsando,
os lábios ainda capazes de poesia,
e a alma ciente de que o amor
nem sempre é promessa
às vezes é incêndio,
às vezes é ruína.
E mesmo assim…
você o sentiria outra vez.
Porque, no fundo,
há uma certeza que não se dissolve:
nenhuma dor se iguala
à de ter amado com verdade.