A Dona Consciência
Era uma vez um aprendiz de escritor
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Carlos ganhava a vida como corretor imobiliário, mas sonhava em ser escritor. E o sujeito nem pensava em ser famoso, era questão de extravasar no papel todas suas angústias. Se viesse inspiração para poesias, melhor. O problema é que a sua existência não possuía dramas homéricos, o que, segundo ele, era quase uma impossibilidade para escrever algo que valesse a pena.
Havia lido em algum lugar que o lance era escrever de maneira concisa ou, então, esticar ao máximo para parecer inteligente. Mas, aí, Carlos se encontrou em uma encruzilhada, pois receava por provável avalanche de besteiras, que certamente aconteceria. Pior, de modo impiedoso, o que frustraria qualquer tentativa de se tornar um escritor de verdade.
Diante de tamanho dilema, eis que o gajo recebeu visita inesperada durante madrugada de insônia. A consciência.
— Bobagem, Carlos!
— Bobagem? Como assim, meu outro eu?
— E quem disse que sou o seu outro eu?
— E não é?
— Óbvio que não!
— E o que tu és, então?
— Sua consciência, meu caro.
— Que seja! Mas o que quero saber é por que você disse que é uma bobagem?
— Simples, meu querido. Quantos e quantos escritores famosos você conhece?
— Sei lá! Um monte.
— Pois você se recorda dos seus tempos de estudante?
— Hum! De que época específica você está falando?
— Final dos anos 1970, início de 1980.
— E o que tem isso a ver?
— Pois você se lembra de que não parava de reclamar que era um certo baiano o autor brasileiro mais lido no mundo?
— Jorge Amado?
— Tá vendo como sua memória continua boa?
— Tá! Mas e o que tem isso a ver?
— Pois é, Carlos, pra você ver como a coisa desandou de vez.
— É. Você tem razão.
— Não sente saudade daquele tempo?
— Nesse ponto, devo concordar.
— Então, deixa a bobagem de lado, e trate logo de colocar suas ideias no papel, nem que sejam tolices. Aliás, melhor que sejam.
— Que sejam o quê?
— Tolices! Bem sei que essas suas palavras darão boa liga. Quem sabe você não consiga transformar chumbo em ouro?
E assim nasceu mais um escritor…
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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