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Antígona

Era uma vez uma mulher das antigas

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Ela era uma mulher das antigas. Sempre dizia às amigas, meio brincando, meio a sério: “Vocês sabem, me chamo Antígona, a antigona”. E muitas vezes, depois disso, desembestava:

– Ah, tá cada vez mais difícil. Os caras novinhos estão saindo em massa do armário. E os mais velhos não querem nada sério, só sacanagem. É ainda pior para nós, mulheres idosas…

– Idosas? Vira essa boca pra lá – cortou Heleninha. – Tenho menos de 60 anos (tinha 59 e 10 meses). E sessenta são os novos quarenta!

– Acho que são os setenta – observou Dolores, de 75 anos bem rodados.

– O essencial é que as mulheres estamos mais confiantes – falou Leonor, elevando o papo uma oitava acima. – Fazemos o que queremos, com quem queremos, quando queremos. O “não é não” é uma conquista que veio pra ficar.

– Os coroas querem putaria? Sorte deles, nós também! – acrescentou Juliana, descendo o nível da conversa ao rés do chão. – No meu caso, se for maior de idade e estiver respirando, passo na cara. E se não rolar, há sempre uns brinquedinhos que podem me fazer feliz…

– Sem falar nas linguinhas e dedinhos das mulheres que também estão saindo ou já saíram do armário – insinuou Sandra, que tinha segundas, terceiras e quartas intenções em relação ao corpício maduro de Antígona.

Todas riram. O papo continuou, falaram dos netos e sobrinhos-netos, e depois cada uma foi para casa.

À noite, Antígona sonhou com a Grécia (também, com um nome desses…) E acordou em uma paisagem estranha, sem edifícios.

– Que cidade é essa? – perguntou a uma mulher que passava. E percebeu, apavorada, que falara em grego clássico.

– Tebas, claro – respondeu a desconhecida.

Antígona entendeu perfeitamente a frase, agradeceu e continuou a caminhar. Sabia que estava num sonho, mas curtia viagens astrais, coisas assim, e não se assustou muito. Viu casas simples, algumas luxuosas, templos, e um espaço aberto com arquibancadas, onde se reunia uma multidão. Dirigiu-se para lá.

– Aqui é o teatro, certo? – perguntou a outra mulher. – Vão apresentar alguma peça hoje?

– Vai começar logo – respondeu a grega. – A tragédia Antígona, de um tal de Sófocles. Parece que ele é ateniense, mas a trama é ambientada aqui em Tebas.

Antígona sabia disso. Já havia lido diversas vezes a tragédia protagonizada por sua xará. Mas ouvi-la em grego clássico a maravilhou, os versos eram ainda mais poderosos e arrebatadores.

No final, um homem aproximou-se dela e a sacudiu rudemente pelo braço.

– Que está fazendo aqui? Não lhe dei permissão para sair de casa!

“Pela idade, não pode ser pai; irmão ou, pior, marido”, pensou.

Levou-a embora, apertando-lhe o braço com violência. Depois de entrar em uma casa simples, observou:

– Antígona desgraçou Tebas; mulheres com esse nome não valem nada! – e deu-lhe uma bofetada.

Ela pretendia dizer que Antígona estava dilacerada entre a obediência às leis da cidade e a leis morais, primordiais, que exigem a prestação de honras fúnebres para os parentes; que essa tensão é que fazia a grandeza da peça, que atravessaria os séculos; mas a pancada a silenciou. Seguiram-se pontapés, socos, uma surra de criar bicho. Percebeu que ele só queria um pretexto para espancá-la, e que não era a primeira vez, longe disso. Ela chorava, procurando manter silêncio, para não enraivecê-lo ainda mais.

– Mulher só serve pra ter filho e cuidar deles, e você não me deu nenhum – concluiu o homem, cansado de bater. – Vou te deixar na rua! – e saiu de casa.

Ela suspirou e foi dormir. E acordou, por um favor dos deuses, em Belzonte, no seu apartamento, no ano de graça de 2024.

“Uma senhora viagem astral”, pensou. E então percebeu que seu corpo inteiro doía. Examinou-se no espelho: estava coberta de hematomas. Ficou pensando por um bom tempo, e concluiu que ser mulher das antigas tinha lá suas desvantagens. E decidiu mudar.

Primeiro, entrou no site de uma sex-shop e encomendou um vibrador e um sugador de clitóris, verificaria se eram mesmo gozada garantida, como insistia Juliana; em seguida, telefonou para um senhor que sempre a convidava para brincadeirinhas online, e falou que muito provavelmente aceitaria o convite, marcaram pra próxima semana (quando ela já teria o apoio dos sex-toys amigos); ligou depois para um quarentão da capital mineira, que estava muito a fim de comê-la, e disse que topava o fuzuê, trepariam semana que vem; e por último, mas não menos importante, contatou sua amiga Sandra.

– Olha, querida, fiz uma viagem astral à Grécia. A Tebas, a cidade de Antígona. E quero conhecer outra região, a ilha de Lesbos. Você me guia nessa viagem? – deu um risinho meio sacana, meio sedutor, e desligou, deixando Sandra sem palavras e já começando a inundar as partes baixas.

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