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Mais uma vítima de feminicídio

Está na hora de criminalizar o discurso de ódio contra mulheres

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@donairene13 - Foto Reprodução das Redes Sociais

Na véspera de Natal, quando as casas se enchiam de cheiros, de vozes e de expectativas para a ceia, eu recebi a notícia: Tainara Souza morreu. Tinha apenas 31 anos. Enquanto muitos arrumavam a mesa e abraçavam os seus, ela partia depois de quase um mês internada, vítima de uma violência que começou muito antes do atropelamento. Começou quando um homem decidiu que não aceitava ser rejeitado.

Durante esse mês cruel, Tainara resistiu como pôde. Teve as pernas amputadas. Mais recentemente, sofreu uma nova amputação. Lutou pela vida enquanto o país seguia, distraído, com seus rituais de fim de ano e discussões políticas sem objetivo. Quando a mãe escreveu nas redes sociais que a filha “descansou”, eu entendi o peso daquela palavra. Descansou para ela. Para nós, não.

Nós, mulheres que ainda permanecemos aqui, não podemos descansar. Mulheres estão sendo sistematicamente assassinadas neste país. E enquanto Tainara estava viva, de um jeito quase simbólico, eu ainda alimentava a esperança de que algo pudesse mudar, de que haveria algum horizonte para nós que não fosse apenas o medo. A cada dia em que ela resistia, eu queria acreditar que a vida venceria também do lado de cá, que a violência não teria sempre a última palavra.

Mas Tainara partiu. E, quando ela morreu, senti como se uma parte de mim também estivesse indo embora. Porque, cada vez que um feminicídio acontece, cada mulher se olha no espelho e olha para suas amigas, suas mães, irmãs, sobrinhas, filhas, e pensa, em silêncio, que a próxima pode ser uma de nós. Nenhuma de nós está segura. Não é exagero, não é histeria, não é vitimismo: é realidade cotidiana.

O que matou Tainara não é um ato isolado, é um sistema. É o machismo que naturaliza o controle sobre os corpos e as escolhas das mulheres. É a misoginia que transforma rejeição em ofensa, autonomia em afronta, liberdade em motivo de ódio. É uma cultura que ensina homens a se sentirem donos, e mulheres a se sentirem culpadas por dizer “não”.

Por isso, não basta lamentar depois. O discurso de ódio contra mulheres precisa ser criminalizado, porque ele não é inofensivo, não é “opinião”, não é liberdade de expressão abstrata. Esse discurso precede a violência, a incentiva, a legitima. Ele cria o terreno onde o agressor se sente autorizado, respaldado, normalizado. Antes do atropelamento, da agressão, do assassinato, quase sempre há palavras que desumanizam, ameaçam, silenciam.

Naquela noite de Natal, enquanto muitos celebravam, eu chorei por Tainara e por todas nós. Porque o luto não é só dela, é coletivo. E porque, enquanto a violência contra mulheres continuar sendo tratada como algo menor, episódico ou tolerável, nós seguiremos vivendo em alerta permanente. Sem descanso. Sem trégua. Com a dor de saber que cada nome perdido poderia ser o nosso.

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