Prova de vida
Esther com agá
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A senhora, acompanhada da bisneta, foi ao banco fazer a prova de vida. As duas se sentaram em frente ao atendente. A velha observou o homem, enquanto a jovem parecia mais interessada em mexer no aparelho celular.
— Vou precisar da identidade da senhora.
A mulher mexeu na bolsa, pegou o documento e o entregou para o sujeito.
— Dona Esther, né?
— Sim. Com agá.
— Sim, estou vendo.
— Hoje em dia não é tão comum.
— O que não é comum?
— Esther com agá.
— Ah, sim! É verdade.
— A senhora não teria outra identidade aí?
— Outra? Por que você quer outra?
— É porque esta é muito antiga.
— É porque sou antiga
— Não é tanto assim.
— Posso garantir pro senhor que sou mais antiga do que a minha identidade.
— Sei disso.
— Então, a identidade serve, né?!
— A senhora precisa tirar uma nova.
— Por quê?
— Ela está antiga.
— Que nem eu?
O atendente sorriu.
— Dona Esther, aqui está a sua identidade. A senhora provou que está viva. Até o próximo ano.
— O senhor acha que estarei viva no próximo ano?
— Sim. A senhora não é tão velha assim.
— Esther Martins Rocha.
— Sim, eu sei.
— Esther com agá.
— Com agá e lindos olhos verdes.
— O senhor está me paquerando?
O atendente sorriu.
— Sabia que o senhor tem os dentes bonitos?
— Obrigado.
— Os meus são naturais. Acredita?
— Sim. Dá pra ver que são.
— Não são bonitos como os do senhor, mas já foram mais.
— Ainda são bonitos.
A neta, que estava impaciente com a demora, tentou interromper a conversa para ir embora.
— Vamos, bisa.
— O senhor está vendo isso? Minha bisneta Mariana, mal completou 18 anos, já quer mandar em mim.
A jovem e o homem se entreolharam. Ela pareceu mais desconfortável que ele, que demonstrou certa empatia por Esther.
— Bem, senhor… Qual é mesmo o nome do senhor?
— Thiago.
— Então, senhor Thiago, foi um prazer conhecê-lo.
— O prazer foi todo meu, dona Esther.
A mulher se levantou, a bisneta a amparou com os braços e, já dando as costas para o atendente, este a chamou.
— Dona Esther.
— Hum?
— Thiago com agá.
Ele piscou para ela, que retribuiu. Próxima à saída do banco, a neta resmungou.
— Ah, bisa, que demora!
— Demora?
— É!
— Mariana, me diga uma coisa.
— O quê?
— O que você tanto mexe nesse celular?
— Tô vendo uma live.
— Hum!
— O que foi, bisa? Não gosta? É maneiro. Quer assistir comigo?
— Não me importo com lives, mas com vidas.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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