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Fogo no Coração

Ficção dá pausa na crise e vira romance em Brasília

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Bartô Granja

A crise política, moral e econômica que se abate sobre o País merece uma pausa. Nessas horas, nada melhor que uma peça de ficção para afastar por temporário que seja, os fantasmas que rondam a sociedade. O enredo do livro tem política, claro. Tem assassinato, intriga, sedução, mistério. E, pior, o cenário é adaptado em Brasília.

Marcelo Larroyed, escritor e mestre em Teoria Literária pela Universidade de Brasília, faz uma sinopse do mais novo livro de Ray Cunha – também escritor; e jornalista.  Leia e dê um xô para o estresse, porque se a gente ficar pensando apenas nos problemas provocados pela corrupção, corrupção e violência, acaba enlouquecendo.

O delegado de Repressão a Homicídios, Ricardo Larroyed, também acupunturista e professor no Instituto Holístico, investiga o suicídio e o assassinado de três modelos de moda, ocorridos ao longo de 2016, em Brasília. Todas elas eram pacientes em acupuntura, sendo que duas delas foram atendidas no Instituto Holístico.

O principal suspeito é o também professor no Instituto Holístico, o terapeuta, mestre em artes marciais e poeta Emanoel Vorcaro, sócio de Ricardo Larroyed na Clínica de Terapias Holísticas, onde Vorcaro atende a estonteante modelo Rosa Nolasco.

Essa é a trama de Fogo no Coração, assinado por Ray. É um romance curto, ambientado no dia-a-dia do mundo da Medicina Tradicional Chinesa. Além de jornalista, o escritor é formado em MTC na Escola Nacional de Acupuntura (ENAc). Por isso, adverte: “Todas as personagens são fictícias, assim como a ambientação do romance foi inventada, com exceção do escritor, pesquisador, psicanalista e acupunturista Jorge da Silva Bessa, que também trabalhou na área de inteligência e serviu ao Brasil em Moscou. Bessa aparece no romance com um perfil biográfico ligeiramente modificado; trata-se de uma homenagem a um amigo que tem minha admiração, especialmente pelo seu trabalho de pesquisa no campo espiritualista”.

Por trás da trama, movem-se várias questões do dia-a-dia de quem estuda, leciona ou trabalha no âmbito da Medicina Tradicional Chinesa, que tem na acupuntura seu pilar mais conhecido no Brasil, ou no Ocidente. Questões como, por exemplo, de professores do Instituto Holístico que não simpatizam com Giovanni Maciocia, o papa da acupuntura no Ocidente, até discussões sobre a base filosófica que alicerça a MTC.

O livro será publicado em dezembro, primeiramente no site Clube de Autores, onde Ray Cunha tem mais dois romances publicados: Hiena e A Confraria Cabanagem. Em 2017, Fogo no Coração será lançado em edição impressa.

Trama bem montada – Os eternos trechos do livro são doces, picantes, provocativos, estimulantes. Veja uma parte.

“Em conversa com uma colega major, que fazia o Curso de Medicina Tradicional Chinesa no Instituto Holístico, Francisco Nolasco foi orientado a levar sua irmã, Rosa Nolasco, para ser atendida, segundo a major, pelo professor mais brilhante do curso, Emanoel Vorcaro.

“Rosa Nolasco era tão linda que os homens com o dom do olhar clínico desejavam engoli-la, engravidar-se dela, e sentir o eterno e intenso triunfo da maternidade. Brasiliense da gema, filha de diplomata americano e uma potra de Belo Horizonte, era dessas mulheres que param o trânsito, literalmente, daí porque raramente são vistas caminhando na rua; escondem-se em automóveis indevassáveis, de onde saltam para atravessar apenas uma calçada, sempre de óculos escuros. E seu elemento é a noite.

“Ruiva, os cabelos caindo como ervas daninhas numa cascata caudalosa até ancas africanas – herança da mistura entre um lusitano e uma princesa moçambicana em uma geração bem anterior à sua –, a pele rosada, olhos verdes como folhas de jambu, lábios grandes, grossos e vermelhos, nariz arrebitado, e um sorriso que era uma queda para cima, foi estuprada a primeira vez aos 14 anos, idade em que a mulher ainda é criança, prestes a se transformar em borboleta.

“Depois dessa primeira vez, o autor, um tio de 40 anos, estuprou-a mais oito vezes, até ela engravidar e ser conduzida a um matadouro, onde sangrou a ponto de quase morrer, resgatada pelo seu irmão, Francisco Nolasco, major da Polícia Militar do Distrito Federal, atirador de elite.

“O tio, um tal de José Antônio, foi encontrado com os bagos e o pênis destroçados a tiros e uma bala na hipófise, flutuando no Lago Paranoá, onde, a bordo de um iate, promovia bacanais pantagruélicas.

“Aos 17 anos, Rosa, uma flor de 1,80 metro e 70 quilos, iniciava a profissão de modelo, em plena tragédia, pois quase todo mundo que gravitava em torno dela queria predá-la, incluindo mulheres invejosas, mas seu maior predador era ela mesma. Passara por muitas camas, abortos e a exploração mais abjeta, porém seu corpo tinha a invulnerabilidade das rosas, que são frágeis, mas eternas. Sua tragédia perpassava pelo histórico das mulheres da família: o mal instalara-se com fúria no seu útero: uma colônia de miomas.

“Quando Rosa Nolasco chegou, o professor Emanoel Vorcaro a aguardava. Ele dividia seu tempo entre a Universidade de Brasília, o Instituto Holístico, a Clínica de Terapias Holísticas e sua casa, na 703 Sul. Estava lendo alguma coisa quando os irmãos entraram no consultório.

“Vorcaro deixou de lado o que estivera lendo e pousou os olhos mortos nos olhos dela, e assim permaneceu por tempo excessivo, como um especialista em iridologia perscruta a alma do paciente, mergulhando nos subterrâneos labirínticos, nos pântanos, nas pradarias, nos jardins, no sol, nos olhos de Rosa Nolasco, que, de manhã, assumiam uma nuança azul; à medida que o dia avançava, e quanto mais calor fizesse, então as esmeraldas surgiam em meio aos arbustos rubros; e, à noite, eram como jambu, prenhes de espilantol.

“Emanoel Vorcaro gemeu. Provavelmente o gemido foi mental. A eternidade daqueles segundos o inebriara: sentiu cheiro de mar, ouviu risos de crianças, a voz de Frank Sinatra em alguma alcova perdida na paisagem vista da janela daquele quarto de hotel, em Paris, ao cair da noite, naquele momento e condições que tornam gentil todo o mundo, e viu sua esposa com seu filho imaginário no colo, rindo o riso cristalino das mulheres lindíssimas, e que o perseguia aonde quer que fosse.”

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