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Quando o cacique assobia

Flávio, Michelle e a disputa silenciosa pelo comando da tribo

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Autor/Imagem:
João Zisman - Foto Editoria de Artes/IA

O anúncio de Flávio Bolsonaro como eventual candidato do PL à Presidência em 2026 não brotou por acaso. Nem foi fruto de uma súbita iluminação do senador sobre a necessidade de salvar a direita brasileira. O movimento tem gatilho, endereço e propósito muito mais doméstico do que eleitoral. E tudo começa no Ceará.

Michelle Bolsonaro reagiu com contundência às articulações locais do PL, que vinham se aproximando de Ciro Gomes, e suas críticas públicas foram lidas como uma desautorização direta ao deputado André Fernandes, aliado leal e figura central do bolsonarismo no estado. A intervenção de Michelle criou ruído imediato no partido, acendeu desconforto na direção nacional e reforçou a percepção de que ela estava assumindo para si uma autoridade política que o clã nunca lhe delegou com clareza.

O segundo capítulo da crise explodiu em Brasília. Bia Kicis lançou sua pré-candidatura ao Senado pelo Distrito Federal, movimento que não surpreendeu o partido, mas caiu como uma bomba no universo político local, onde o acordo MDB–PL que previa Michelle como candidata ao Senado era tratado como consolidado. O gesto de Bia teve aval direto de Michelle, para não dizer que nasceu de sua própria decisão pessoal. E, ao desafiar o arranjo firmado com Ibaneis Rocha, reabriu feridas, ampliou desconfianças e deixou explícito que a ex-primeira-dama estava interferindo em acordos que extrapolavam sua esfera natural de influência.

É nesse ambiente que Flávio surge. E não como presidenciável, mas como regulador interno. O lançamento repentino do seu nome não mira o Planalto. Mira Michelle.

Flávio aparece como o emissário autorizado, o guardião da palavra final nos acordos e o responsável por reajustar o eixo de comando. A mensagem é clara: a família fala pela voz do filho político, e não pela articulação paralela da ex-primeira-dama. Ele pode até não chegar ao fim da pista presidencial, mas já reconquista o papel de porta-voz legítimo do grupo. Garante protagonismo. Reordena as linhas. E, de quebra, restabelece a hierarquia que vinha sofrendo interferências.

O efeito externo também foi imediato. Tarcísio de Freitas ganhou tempo. A pressão para que o governador definisse seu futuro refluiu com a entrada de Flávio no centro da cena. Com o holofote redistribuído, Tarcísio respira, reorganiza sua agenda e evita ser arrastado para um anúncio precoce que poderia custar caro.

Mas o tabuleiro tem mais peças. O campo conservador já se fragmenta com nomes como Caiado, Ratinho Junior, Eduardo Leite e Zema. Esse excesso de alternativas não ameaça Lula pelo flanco da direita, porque o eleitor conservador não migra para ele. A questão é outra. Quando a direita se divide demais, quem cresce é o voto útil do centro, do centro-esquerda e dos moderados que rejeitam o radicalismo, mas desejam evitar o risco de um segundo turno incerto. Fragmentar a direita não entrega votos conservadores a Lula, mas entrega a ele aquilo que costuma decidir eleição polarizada: os votos do meio. E a multiplicação de candidaturas desse campo pode acabar sendo um presente involuntário para o adversário.

Se Flávio será candidato, ninguém sabe. Talvez nem ele. O que se sabe é que o anúncio, da forma e no timing em que foi feito, serviu ao propósito principal: disciplinar a tribo.

Mesmo preso, Jair Bolsonaro continua sendo o cacique. É ele quem define quem fala, quem articula e quem ultrapassou o limite do autorizado.

Michelle soprou o apito alto demais. Flávio assobiou mais forte.

E o clã se reorganiza assim: em atos rápidos, quase instintivos, sempre guiado por esse código tribal que dispensa programas, evita partidos e se ancora em autoridade, sangue e obediência. O Planalto pode ser destino. Mas, por enquanto, é apenas o palco para um ajuste interno.

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