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Floresta em risco

Flotilha Amazônica vai à COP contra o uso dos combustíveis fósseis

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Autor/Imagem:
Antônio Albuquerque , Edição- Foto Divulgação

A Flotilha Amazônica Yaku Mama iniciou nesta quinta-feira uma jornada simbólica a partir da cidade de Francisco de Orellana (El Coca), no Equador, com um objetivo claro: colocar a Amazônia no centro da luta por justiça climática e exigir o fim da exploração e do uso de combustíveis fósseis.

Unindo os Andes à Amazônia, uma coalizão formada por 60 organizações indígenas e territoriais, além de aliados internacionais, percorrerá cerca de 3 mil quilômetros até Belém (PA), onde será realizada a COP30, no início de novembro. Mais do que um ato de protesto, a travessia é uma declaração de urgência: a justiça climática deve se tornar realidade, e a extração de petróleo e gás na Amazônia precisa chegar ao fim.

Antes da partida, os participantes se reuniram em Quito, ponto de partida escolhido de forma simbólica. Foi dessa cidade que, em 1541, partiu a expedição de Francisco de Orellana, que culminou com o “descobrimento” do Rio Amazonas. Agora, a Flotilha Yaku Mama inverte esse trajeto histórico, transformando a antiga rota de conquista em um caminho de reconexão e resistência. A expedição também homenageia o primeiro levante continental indígena de 1992 e busca amplificar as vozes dos povos da floresta.

“Esta viagem é um ato de resistência e empoderamento. Conecta a crise climática às suas raízes coloniais e extrativistas, mostrando que os povos que menos contribuíram para o problema são os que mais sofrem com seus efeitos. É um chamado urgente à COP30: a verdadeira justiça climática nasce da terra, corre com os rios e se sustenta naqueles que cuidam deles”, afirmou Lucía Ixchú, indígena maia K’iche, da Guatemala, e porta-voz da flotilha.

Funeral simbólico
Para abrir o percurso, a tripulação e organizações parceiras realizaram um funeral simbólico, representando o adeus à era dos combustíveis fósseis — considerada devastadora para a Amazônia. O ato também denuncia as chamadas “falsas soluções” da transição energética, que seguem impondo novos projetos extrativistas e zonas de sacrifício sobre territórios indígenas.

As comunidades amazônicas defendem seu direito à autodeterminação e à condução de uma transição energética justa, sem repetir os impactos de atividades como mineração, derramamentos de petróleo e monocultivos.

A Flotilha Amazônica Yaku Mama reivindica que essa transição seja verdadeiramente justa e vinculante, respeitando o Consentimento Livre, Prévio e Informado das comunidades indígenas. O grupo também pede o reconhecimento e a proteção de zonas intangíveis para povos indígenas em isolamento voluntário, cuja sobrevivência depende de territórios livres de exploração.

A floresta em risco
A jornada acontece em um momento crítico. Um relatório divulgado em 2024 pelo Programa de Monitoramento dos Andes-Amazônia (MAAP) apontou a perda de 4,5 milhões de hectares de floresta primária em decorrência da deflorestação e dos incêndios — o maior índice já registrado. O mesmo estudo indica que a mineração de ouro cresceu mais de 50% desde 2018, afetando inclusive áreas protegidas e territórios indígenas.

“Estamos hoje no Equador por uma razão histórica. Foi daqui, de Quito, que partiram as missões que invadiram nossos territórios em nome do ‘descobrimento’ do grande rio Amazonas. Agora, refazemos essa rota para transformá-la em símbolo de reconexão e resistência”, declarou Leo Cerda, indígena kichwa da província de Napo.

A flotilha é composta por 50 representantes de povos indígenas e organizações da sociedade civil da Amazônia, Mesoamérica, República do Congo e Indonésia. O grupo navegará o Amazonas para denunciar as “cicatrizes do extrativismo” — como a mineração ilegal e a devastação florestal — e, ao mesmo tempo, mostrar exemplos de alternativas sustentáveis já em prática, como empreendimentos comunitários e monitoramento territorial com base em saberes ancestrais.

O fim combustíveis fósseis
Os combustíveis fósseis, além de degradar o meio ambiente, também alimentam a violência social. Segundo o relatório da Global Witness (2024), entre 2012 e 2024, 2.253 defensores ambientais foram assassinados ou desapareceram, sendo 40% deles indígenas.

A expansão silenciosa da indústria petrolífera e de gás atinge hoje oito dos nove países amazônicos. Dados da InfoAmazonia e da Arayara revelam que há 933 blocos de exploração de petróleo e gás na Pan-Amazônia — 472 no Brasil, 71 no Equador, 59 no Peru e 47 na Colômbia —, muitos sobrepostos a áreas protegidas e territórios indígenas.

O impacto é devastador: entre 2000 e 2023, o Peru registrou 831 vazamentos de petróleo, e o Equador, 1.584 entre 2012 e 2022. No Brasil, o Ibama já rejeitou três vezes o projeto da Petrobras para exploração na foz do Amazonas, devido aos riscos à biodiversidade. Além disso, a infraestrutura petrolífera — estradas, oleodutos e queimadas de gás — contribui para a fragmentação da floresta e contaminação de água e solo, afetando 1,2 milhão de pessoas que vivem próximas a poços ativos, segundo o Greenpeace (2025).

A queima de combustíveis fósseis responde por 75% das emissões globais de gases de efeito estufa, segundo o IPCC. A crise climática resultante ameaça levar a Amazônia a um ponto de não retorno, com secas extremas, enchentes e incêndios crescentes.

“Para nós, povos indígenas, a crise climática não é algo distante. É a invasão de nossas terras, a contaminação dos rios e a ameaça direta à vida de nossos filhos. Defender a Amazônia é defender nossa própria existência. Não pode haver justiça climática sem justiça para os povos que cuidam desta terra há milênios”, afirmou Kelly Guajajara, jovem indígena e integrante da Mídia Indígena, do Brasil.

Povos indígenas
A flotilha reforça que os povos indígenas não são apenas vítimas da crise climática — são também guardiões de soluções vivas. O conhecimento ancestral e as práticas comunitárias têm papel essencial na governança climática global.

“Esta flotilha não é só um protesto. É uma mensagem viva que navega pelas veias da Amazônia. O rio mostra suas cicatrizes — as manchas de petróleo, as feridas da mineração —, mas também revela a força das comunidades que resistem e oferecem alternativas”, disse Alexis Grefa, jovem kichwa amazônico do Equador.

Estudos do MAAP (2024) indicam que territórios indígenas e áreas protegidas cobrem 49,5% da Amazônia e armazenam 60% do carbono da região. Entre 2013 e 2022, enquanto o restante da bacia se tornava emissor líquido de gases de efeito estufa, essas áreas absorveram 257 milhões de toneladas métricas de carbono.

Demandas
A Flotilha Amazônica Yaku Mama levará à COP30 uma lista de exigências prioritárias:

Reconhecimento e garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e comunidades locais como estratégia central de proteção da Amazônia.

Financiamento direto, sem intermediários, para quem protege a floresta. Apesar das promessas feitas na COP26, 76% dos recursos do Fundo Verde para o Clima ainda estão sob controle de instituições internacionais.

Transição energética justa, que não repita os erros do extrativismo e respeite as comunidades afetadas.

Proteção aos defensores da terra, incorporando essa pauta às políticas climáticas globais.

“A flotilha não é apenas uma viagem — é uma exigência. Não vamos a Belém pedir espaço, mas exigir que as políticas climáticas sejam construídas a partir dos territórios, com justiça para quem cuida da vida”, concluiu Leo Cerda.

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