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Francisco chama Abbas de anjo da paz e provoca ira de judeus

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Toda palavra conta na diplomacia delicada do Oriente Médio, onde os negociadores costumam recorrer à ambiguidade criativa. Assim, a saudação “sotto voce” do papa Francisco ao receber o presidente Mahmoud Abbas da Autoridade Palestina, durante um encontro no Vaticano no sábado (16), no qual ele se referiu a Abbas como um “anjo da paz”, mas com um verbo incerto, causou um furor linguístico e político que ainda repercute dias depois.

Teria o papa dito a Abbas, “Você é um anjo da paz”, como muitos veículos de notícias, incluindo a principal agência de notícias italiana “ANSA”, “The Associated Press” e o “New York Times” noticiaram? Esse fraseado agradou aos palestinos, mas enfureceu alguns israelenses e líderes judaicos ao redor do mundo.

Ou estaria o papa encorajando Abbas com as palavras, “Seja você um anjo da paz”, como outros importantes órgãos de notícias italianos, como “La Repubblica” e “La Stampa”, noticiaram, uma formulação que sugere mais uma exortação do que um elogio, além de soar melhor para os ouvidos pró-Israel?

Tudo parece se resumir à diferença entre o verbo “sei”, “você é” em italiano, e “sia”, que significa “seja você”. Os defensores pró-Israel foram rápidos em apontar as discrepâncias.

Israel alega que Abbas incita a violência entre os palestinos e o culpa pelo colapso das negociações de paz no ano passado. Os palestinos veem os israelenses como instigadores da violência e como principal obstáculo a um acordo de paz. Nenhum lado está pronto a aceitar o outro como um anjo, ou mensageiro, da paz.

A discórdia surge em uma semana já tensa para o triângulo das relações entre Vaticano, israelenses e palestinos. O Vaticano anunciou na quarta-feira (13) que assinaria um tratado que inclui o reconhecimento do “Estado da Palestina”, concedendo um peso simbólico ao esforço palestino cada vez maior para um apoio internacional à soberania, que contornaria as negociações com Israel.

O Ministério das Relações Exteriores de Israel disse ter ficado decepcionado com a decisão do Vaticano, apesar de o Vaticano ter na prática realizado o reconhecimento depois que a Organização das Nações Unidas concedeu à Palestina o status de país não membro observador em 2012. Ao todo, 135 países já reconheceram o Estado da Palestina. Os Parlamentos britânico, francês, espanhol e irlandês aprovaram nos últimos meses resoluções pedindo aos seus governos que façam o mesmo.

A conversa no centro do alvoroço ocorreu diante de um pequeno grupo pré-selecionado de repórteres. A frase “anjo da paz” foi murmurada e, disseram os presentes, difícil de ouvir.

O papa falava em italiano, que ele fala bem, mas não é sua língua. Logo, não ficou totalmente claro se ele confundiu “sei” e “sia”, se aqueles que se esforçavam para ouvir entenderam de modo diferente, ou se ao longo da conversa ele disse ambas. Em 2014, durante uma visita a Israel e à Cisjordânia, ele de fato se referiu a Abbas como “um homem de paz e um pacificador”.

Francisco tem relações profundas com judeus há décadas e fez gestos significativos de amizade. Abraham H. Foxman, o diretor de saída da Liga Antidifamação, disse que considerou as reportagens “Você é um anjo” como “um relâmpago na comunidade judaica, dada a admiração e às expectativas que o mundo judeu tem por este papa”.

Foxman, que atualmente está visitando Israel, disse que sua organização “entrou em contato com o Vaticano”, sem elaborar.

O padre Federico Lombardi, o porta-voz do Vaticano, emitiu uma declaração de esclarecimento no domingo (17), em resposta, segundo ele, às perguntas dos jornalistas. Praticando um pouco de ambiguidade diplomática própria, ele disse que o papa deu a Abbas um presente frequentemente dado aos presidentes visitantes: uma medalha de bronze que representa um anjo da paz. Na declaração, ele disse que a palavra anjo se refere a um “mensageiro”.

Quando o papa oferece a medalha, disse Lombardi, “ele diz algumas poucas palavras de explicação sobre o presente, assim como faz um convite a um compromisso com a paz por parte do recebedor”.

O Vaticano diz que anjos são, na verdade, “mensageiros”.

Emmanuel Nahshon, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores israelense, disse que ouviu a gravação da conversa, consultou o embaixador de Israel no Vaticano e ficou satisfeito pelo papa ter dito, “Que você seja um anjo da paz”.

“Ele está longe de ser um anjo da paz”, disse Nahshon sobre Abbas, acrescentando: “Se ele fosse, talvez a esta altura haveria paz”.

Hanan Ashrawi, integrante do comitê executivo da Organização pela Libertação da Palestina, riu quando perguntada sobre a controvérsia,  dizendo que não forneceria “uma exegese bíblica sobre ‘seja você’ ou ‘você é'”.

“De qualquer forma”, ela disse, falando por telefone de Ramallah, na Cisjordânia, “a analogia e a conexão estão lá”.

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