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Pois é, aconteceu!

Francisco, o leitor compulsivo

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Francisco, sujeito de hábitos, trabalhava numa loja de ferragens em Brasília. E, entre um atendimento e outro, gostava de se deliciar com os textos de certo autor carioca, que publicava diariamente no Notibras. De tão fã, não raro, remoía cada trama como se procurasse na psicologia a explicação para seu desfecho, muitas vezes carregado de ironia.

Os fregueses mais assíduos, acostumados com tamanha paixão por literatura, não raro, até esperavam por comentários sobre o enredo do dia. Alguns, inclusive, curiosos que ficavam, pediam para que Francisco compartilhasse o texto com eles.

— Que trama, Francisco!

— É verdade, Lúcia! E você sabe de uma coisa?

— Do quê?

— Pois sonho com o dia em que ele entrará aqui na loja.

— O escritor?

— Sim! Já imaginou?

— Ah, seria muito legal! Queria estar aqui pra ver isso acontecer.

De tão boa estava a conversa, a cliente quase se esqueceu por que havia ido ao estabelecimento.

— Ah, Francisco, que cabeça a minha! Preciso de uma torneira pro tanque.

Dizem que quando queremos muito uma coisa, às vezes, ela acaba acontecen-do. Se bem que, na maioria dos casos, nem mesmo o cheirinho chega às nossas ansio-sas narinas. Todavia, parece que o Francisco estava com sorte naquela manhã de se-gunda-feira de rigoroso inverno na capital federal.

— Bom dia, o senhor tem esse tipo de resistência de chuveiro?

— Não acredito!

— Na resistência?

— Não é possível!

— O quê? O chuveiro?

— Meu Deus!

— O senhor está bem?

— Não pode ser!

— O quê?

— É você mesmo?

— Se eu sou eu?

— Te leio todos os dias.

— Ah, tá!

O escritor, finalmente, entendeu aquela esdrúxula situação. Aliás, esdrúxula, sim, pois não era algo que acontecesse com frequência. Seja como for, sentiu-se o próprio rei da cocada preta. Tanto é que estufou o peito e sorriu seu melhor sorriso, daqueles que dá para ver até os sisos.

— Jurava que seus olhos fossem verdes.

— Minha mãe também. Até hoje, o senhor acredita?

— Francisco! Me chame de Francisco, por favor.

— Francisco.

Conversaram por quase uma hora, até que o escritor recebeu uma mensagem da esposa: “Cadê, você? Por acaso foi fabricar a resistência? Não quero tomar outro ba-nho frio!”

O fã pegou a resistência do chuveiro, o escritor pagou no débito e, quando já estava de saída, foi interrogado pelo vendedor.

— Ah, você escreve contos ou crônicas? É que não sei a diferença.

— Meu amigo, só sei escrever contos.

— Jura?

— Sim. É que sou um mentiroso compulsivo.

……………………

Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’.

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