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Traduzindo feridas

‘Fui alertada, e ainda assim, eu fui, porque ficar doía mais’

Publicado

Autor/Imagem:
Emanuelle Nascimento - Foto Francisco Filipino

“Segue em frente.”

Eles dizem como se andar fosse simples. Como se deixar para trás não doesse. Como se a alma tivesse pernas.

Mas eu segui.

Não porque fui forte. Não porque era hora.

Segui porque ficar doía mais.

Em A Náusea, Jean-Paul Sartre descreve o absurdo de existir, o vazio que nos envolve quando perdemos a razão de estar. E foi assim que me senti: nauseada da vida que desmoronou, dos planos que viraram escombros. O quarto parecia apertado, e o mundo, irrespirável. Mas havia algo… um sopro. Uma esperança embriagada de silêncio. E isso me empurrou.

A antropóloga Veena Das, ao estudar a dor social, diz que o sofrimento se inscreve no cotidiano nos pequenos gestos, nas repetições. E também é aí que começa a cura. Caminhar, lavar os pratos, escrever uma crônica.

É tudo ferida tentando se traduzir.

A vontade de desistir ainda me visita. Mas como escreveu Albert Camus: “No meio do inverno, descobri que havia em mim um verão invencível.” E esse verão não grita. Ele sussurra. Ele me diz que já passei por outras noites. E sobrevivi.

Seguir em frente, às vezes, é rastejar. É sair de casa com a alma sangrando. É rir e, logo depois, chorar no banheiro. Mas é também ver que há beleza nisso. A flor não nasceu da leveza: nasceu da terra escura, da lama, da resistência.

Como bell hooks ensinou: “o amor cura. E o amor começa dentro.”

Então eu fui.

Com medo. Com saudade. Com fé.

E sigo não por ter superado, mas por ter aceitado que viver é esse movimento incerto entre o que fomos e o que podemos ser.

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