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Comédia

A Garota do Armário mostra os dilemas do mundo adulto

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Luiz Carlos Merten

Enquanto escrevia A Garota do Armário, Marc Fitoussi nunca parou para pensar como seria sua protagonista feminina. “Não sabia se seria loira ou morena, só importava que tinha 13 anos, e no atual sistema educacional francês virou obrigatório o estágio da ‘troisième’. É uma espécie de prévia do mercado de trabalho. Durante uma semana, os estudantes precisam estagiar numa empresa. Não podem trabalhar de verdade, porque a legislação não permite. Só observam.”

É o que faz Anouk. Só quando escolheu a atriz, Jeanne Jestin, foi que o diretor e roteirista se viu diante de outro problema. O filme é sobre mãe e filha e, como Jeanne é loira, ele foi atrás de uma atriz também clara. Sua querida Isabelle Huppert não servia, por uma questão de idade. “Voltei ao começo e chamei Émilie Dequenne, com quem fiz meu primeiro longa, Vie d’Artiste ” Emilie, vale lembrar, é atriz de um filme mítico – Rosetta, de 1999, a primeira Palma de Ouro dos irmãos Dardenne. Como Vie d’Artiste e Copacabana – esse, com a Huppert -, A Garota do Armário nasceu com a intenção assumida de permitir a Fitoussi nova investigação sobre o mercado de trabalho na França. “E eu queria que fosse, de novo, um filme sobre mãe e filha, como Copacabana.”

Você deve-se lembrar. Isabelle Huppert levava a vida como uma cigarra. A filha estava mais para formiga – trabalhadora – e a mãe, sentindo que a envergonhava, resolve arranjar um emprego. Vira corretora de imóveis. Agora, Anouk vai trabalhar na firma da mãe, Cyrielle, uma empresa de seguros. A função é mínima. Meio na camaradagem – com sua mãe -, arranjam-lhe esse posto de arquivista, mas as duas responsáveis pelo setor não conseguem chegar a um denominador comum. Anouk arruma a sala alinhando os móveis à esquerda, Cyrielle, à direita. Não há consenso entre as duas. Mas a questão não é essa. Testemunhando uma reclamação – de uma viúva com duas filhas -, Anouk descobre que a empresa está fraudando análises para não pagar prêmios. Pior – descobre o envolvimento de sua mãe no imbróglio. Bem-vinda ao mundo adulto.

“Era essa minha intenção, refletir sobre o rito de passagem do ponto de vista de uma garota que começa a entender o funcionamento do mundo. Na França – e o repórter admite para Fitoussi que, no Brasil, é a mesma coisa – os mais velhos, principalmente os que sonharam mudar o mundo em maio de 1968, têm essa ideia de que os jovens, hoje, não possuem ideais. Queria mostrar que isso não é verdade. Anouk, no filme, tem razão e descobre que sua mãe errou.”

O título original, por sinal, Maman a Tort, quer dizer justamente isso – Mamãe errou. “Mas eu não queria fazer um filme à americana, com uma heroína. Anouk descobre que o sistema é perverso, que sua mãe errou, mas o filme não dá ao espectador o conforto de um happy end. Saber das coisas não é a mesma coisa que tomar partido, e a mãe tem suas justificativas para agir desse jeito. Mamãe está comprometida? Sem dúvida, mas qual é a alternativa? Voltar a sonhar com os ideais revolucionários?”

Marc Fitoussi considera A Garota do Armário seu filme mais ambicioso – e maduro. “Tive ótimas críticas na França, mas, para ser honesto, a bilheteria não foi tão boa. É o tipo do filme que produz mal-estar, mas queria que fosse assim. É uma comédia que aborda um assunto sério e, como consequência, não podemos deixar o espectador rindo à toa, como se, no desfecho, estivéssemos no melhor dos mundos.” O público pode nem se dar conta, mas o filme foi muito pensado e construído nos detalhes. “Anouk usa cores como azul e amarelo, sua mãe veste tons mais esmaecidos. A paleta foi toda pensada.”

Não apenas. O filme abre-se e termina com encontros de Anouk com o pai, separado da mãe. O primeiro, por sinal, provoca uma rixa entre o antigo casal, quando a mãe faz acusações ao ex-marido. O final retrata sutilmente o que não deixa de ser o estado do mundo. “As mulheres tornaram-se competitivas e repetem a trajetória dos homens, até nossos erros”, reflete Fitoussi. “Muitos homens, e o pai é um deles, levam a vida mais leve, alternativa.”

Preste atenção. Quando Anouk entra no carro do pai, que trabalha com vinhos, um ruído a incomoda. No desfecho, você vai ver que sua experiência como garota do armário não foi em vão. Mas só isso, você pode até pensar? “Insisto que o objetivo não foi criar uma fantasia. Seria fácil ceder a soluções mágicas. Prefiro deixar o filme assim. São só cinco dias, mas Anouk muda nesse período. Faz sua entrada no mundo adulto.” Jeanne Jestin tinha 13 anos quando filmou. “Não é só sua relação com a mãe, a firma. É com o mundo, os garotos. Ela adquire até um princípio de seios e, na balada, você sente que não está perfeitamente à vontade. O desconforto de Anouk é minha forma de acreditar que o mundo tem esperança.”

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