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Demissão injusta

Gláucia, pescadora de sonhos, deixa de ser babá

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Gláucia, mulher dos seus quase 50 anos, não se lembrava de ter usufruído de brincadeiras em parques ou mesmo sorrido descalça nas vielas da favela Pernambués, em Salvador. Se puxasse pela memória, apenas horas intermináveis de trabalho, seja monte infinito de roupas para lavar e passar, seja quantidade incontável de corredores imensos para varrer, seja até mesmo aquela inimaginável soma de móveis para lustrar.

Sem tempo para os próprios filhos, cuidava das crianças das famílias abastadas da cidade. E assim conseguia manter os seus suficientemente alimentados para não tombarem por inanição. Que crescessem rápido para ajudarem nas despesas do barraco.

E lá estava aquela mulher dando mamadeira para o pequeno Juliano, filho da dona Carmita. Enquanto a patroa tricotava assuntos irrelevantes com as amigas, Gláucia fazia o possível para que o bebê crescesse parrudo. Nisso, eis que uma das convidadas se aproximou do menino e lhe tascou um leve beliscão nas bochechas coradas.

— Que criança mais linda, meu Deus!

Gláucia apenas sorriu o único sorriso que lhe era permitido. Dona Carmita, vendo aquela cena, encheu-se de orgulho e decidiu participar do interlúdio.

— Luana, a Gláucia cuida muito bem do Juliano.

— Percebe-se de cara, Carmita.

— A Gláucia nasceu para cuidar de bebês. Olha a cara de felicidade dela.

Foi aí que a Madalena, outra convidada, se aproximou e também desejou entrar na conversa.

— Gláucia, além de tomar conta do Juliano, o que te faz feliz?

— Senhora, nem tenho tempo pra sonhar, mas, caso tivesse, queria ser pescadora.

— Pescadora?

— Sim.

— Hum! Interessante. Mas por que pescadora?

— É que, pra mim, a melhor definição de felicidade é alguém pescando com uma linha presa à uma vara, mas sem anzol, sentado de frente pra praia. Desde que essa pessoa esteja decidida a só sair de lá depois que fisgar um canário.

Parece que a dona Carmita e suas convidadas não gostaram do que a empregada disse. É que, no final daquele dia, a patroa disse que a Gláucia não precisaria voltar no dia seguinte, pois já havia arrumado outra para o seu lugar.

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