Curta nossa página


Datilografia

Gregório, o ás da máquina de escrever

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Não sei se você viveu os conturbados anos 1970, quando um curso de datilografia era praticamente um divisor de águas entre conseguir ou não um emprego em alguma repartição. E, quanto mais ágeis fossem os dedos, maior era o status do funcionário.

Não pense você, no entanto, que era todo mundo que conseguia se entender bem com aquela que hoje é alcunhada de trambolho, mas que antigamente era a tal máquina de escrever. Alguns, seja por falta de traquejo ou, não duvido, seja até por certa timidez, se desmanchava em nervosismo quando as digitais tocavam nas teclas. E a coisa desandava de vez quando o texto era ditado por um superior hierárquico.

Gregório, definitivamente, era o mais notável no ofício. Não importava quem fosse ditar, fosse até mesmo Luís Carlos que, por conta da fala, de tão apressada, era apelidado de Ligeirinho.

Após anos recebendo elogios, Gregório passou a colecionar certos sentimentos. A princípio, aparentemente bons: autoestima, brio, dignidade, satisfação, honra e até mesmo boa dose de pundonor. Todavia, como nem tudo na vida é um passeio no parque num domingo ensolarado, eis que a altivez começou a se apoderar do se âmago. Pior, a arrogância misturada com vaidade e pitadas de presunção e essência de desdém, até que o sujeito perdeu todas as estribeiras e passou a não disfarçar a própria soberba.

Não obstante o modo desprezível de agir, Gregório possuía cartaz com a alta cúpula do escritório. Tanto é que, numa sexta-feira, foi chamado às pressas para digitar duas ou três laudas na sala de um dos diretores. E lá foi o homem, todo empertigado, cumprir mais uma missão com seus dedos infalíveis.

Já no último andar, Gregório caminhava pelo corredor em direção ao seu destino, quando passou por uma sala aberta e viu uma mulher em frente a uma máquina de escrever último modelo. Curioso, ele se aproximou e, ao perceber que a fulana, dedos indicadores em riste, teclava lentamente, tamanha a dificuldade de encontrar as letras, fez um comentário jocoso.

— Do jeito que você bate à máquina, minha senhora, não demora, vai ser mandada embora.

A mulher encarou o intrometido e, com um sorriso sarcástico nos lábios, disse:

— Meu amigo, se liga! Sou cargo comissionado.

……………………

Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).

Compre aqui

https://www.joanineditora.com.br/57-contos-e-cronicas-por-um-autor-muito-velho

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.