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No palco

Guanabara Canibal mostra lado antropofágico do Rio

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Autor/Imagem:
Leandro Nunes

Para quem teve a chance de assistir a Caranguejo Overdrive, com seus protagonistas originais – os crustáceos foram substituídos por pedras – a nova peça Guanabara Canibal, da Aquela Cia., que estreia neste sábado, 20, no Sesc 24 de Maio, põe o grupo carioca na ponta da faca no pensamento contemporâneo sobre as origens, tão baixas quanto o mangue, do Rio.

Essa investigação com tons antropofágicos vem desde Cara de Cavalo (2012), montagem que retratava a vida de um sujeito que, durante a ditadura, se tornou ‘inimigo número um da Guanabara’. A potência conquistada na peça dos caranguejos – e que teve perdas depois que os animais foram retirados de cena – tratava da urbanização do Rio. Agora, desemboca no episódio do massacre indígena registrado no curioso poema Feitos de Mem de Sá, de José de Anchieta, antes de tudo, patrono do teatro brasileiro.

“Ele louva o ofensiva portuguesa contra os tupinambás, conhecidos pelos hábitos canibais, e a ocupação francesa na cidade, por volta de 1560. O que a história oficinal chama de conquista, foi a destruição e o extermínio desses índios, já que foi a tomada de uma terra que não lhes pertencia”, afirma o diretor Marco André Nunes.

A pesquisa cênica da companhia, entretanto, não toma para si a missão redentora de “contar a outra versão da história”. Na encenação, a presença de um elenco variado entre idades e etnias sustenta uma assinatura particular e plural. “A ideia de ter um elenco étnico faz com que eles já tragam consigo uma história anterior”, explica o diretor sobre a ascendência dos atores, entre eles a colombiana Carolina Virgüez (Premio Shell em Caranguejo Overdrive). Para o autor, Pedro Kosovski, a nova dramaturgia do grupo segue o rastro de Caranguejo Overdrive, seja nos blocos de monólogos que dessa vez se intensificam provocando uma contração nos pouquíssimo diálogos presentes.

“Existe uma primazia do corpo e das sensações”, afirma o autor. “Em cada voz, há uma linguagem particular, por isso, ficam menos conectadas entre si. O discurso não é um modo de conexão aqui, mas as interações.” Ele conta que um dos personagens, um mestiço filho de português com índia, vive no limbo de sua identidade. “Ele não é o conquistador, tampouco só o colonizado. Essa estratégia que dilui sua identidade o coloca refém da própria história.” Para o autor, o documentário que o jornalista Amaral Netto fez chamado Como Nasceu o Rio (1965) vem no bojo dessa discussão midiática sobre a construção do imaginário da antiga capital brasileira. “É uma teatralização que serviu aos objetivos da ditadura.” A música também faz parte da assinatura cênica da Aquela Cia. O rock dos caranguejos se espraia para uma mescla de instrumentos, alcançando o metal de Ratamahatta, do Sepultura.

A peça que estreou em 2017 e que ainda traz no elenco Matheus Macena, Reinaldo Junior e João Lucas Romero teve a data adiada por conta da decisão da Justiça que quase impediu o ator Zaion Salomão, então com 7 anos, de estar em cena sem que antes obtivesse uma autorização específica da Vara da Infância e Juventude. O diretor narra que a burocracia atingia enormidades como a comprovação de que o prédio tinha para-raio. “Isso não seria solicitado se eu tivesse 400 crianças na plateia, mas o fato de ele estar no palco, mudava tudo. Com o tempo, conseguimos todas as autorizações e temos conosco um garoto que sempre nos surpreende com tamanha concentração”, diz o diretor.

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