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Devedor contumaz

Haddad vai passar a régua no ‘Devo, não nego, pago quando puder’

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Autor/Imagem:
Dora Andrade - Lula Marques

Já passou da hora de enfrentar a face mais perversa da sonegação no Brasil: o devedor contumaz. Não estamos falando de quem deve por necessidade ou enfrenta dificuldades. Estamos falando de empresários e grupos que transformaram o calote em estratégia de enriquecimento, usando o fisco como linha de crédito informal e intencional. Gente que, em plena luz do dia, desvia impostos devidos para engordar operações especulativas na Bolsa de Valores, abastecer fundos de investimento obscuros e, no fim do ciclo, lavar o lucro em paraísos fiscais.

Foi com esse alvo na mira que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez um apelo urgente nesta sexta-feira (14). Ele quer que a Câmara dos Deputados vote, enfim, o projeto que cria um regime específico para punir esses sonegadores profissionais — a turma que força a inadimplência porque sabe que o Estado é lento, a fiscalização é falha e o tempo, amigo dos abastados. O texto, que dorme há exatos oito anos no Congresso, parece aguardando que o país implore por justiça tributária para sair do papel.

A proposta, aprovada por unanimidade no Senado em setembro, está pronta para a votação final pelos deputados. E Haddad não está pedindo um favor: está exigindo que o Congresso cumpra seu papel de defender o interesse público contra quem corrompe o sistema. “Já está na hora, já passou da hora”, disse o ministro.

A fala aconteceu em tom solene, no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), durante um evento do Ministério da Educação, em Brasília, no qual Haddad recebeu a Ordem Nacional do Mérito Educativo, com a presença do presidente Lula. A condecoração foi simbólica, mas o pedido que a acompanhou foi cirúrgico: agora é o momento de virar a chave.

E o ministro foi além: ao contrário do que muitos tentam fazer crer, o problema do devedor contumaz não é só fiscal. É de segurança pública. É de combate ao crime organizado. De defesa do Estado de Direito. “Todo criminoso precisa lavar o dinheiro do crime e usa expedientes formais, abre empresa, fecha empresa”, afirmou Haddad. E é justamente aí que o projeto atua: evita que o calote vire combustível para o crime, que o imposto sonegado vire munição para a violência.

Não foi por acaso que o Senado aprovou o texto logo após a Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, que desbaratou um esquema de lavagem de dinheiro que usava fintechs e distribuidoras de combustíveis para girar bilhões de reais do crime organizado. A investigação mostrou o óbvio: enquanto houver brechas para quem se esconde atrás de “dívidas insolúveis”, o crime financeiro continuará lavando sua sujeira nas águas turvas da leniência tributária.

Haddad foi direto: espera que a Câmara não precise de outro terremoto para agir. “Espero que não seja preciso outro evento desse tamanho para a Câmara se sensibilizar”, disse. E está certo. Já é hora, sim — e já passou da hora — de riscar do mapa o velho bordão do “Devo, não nego, pago quando puder”. Se o Brasil quer ser um país sério, precisa começar por dar um recado claro aos que zombam da lei e do povo: a era do calote como estratégia de lucro está com os dias contados.

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Dora Andrade é Editora de Economia de Notibras

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