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Primeiro amor

Helena, menina do sorriso vermelho, vê o meu bege

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Há muito não me esbarrava com aqueles olhos. Teria sido em 1977? Não sei exatamente, mesmo porque nunca fui de anotar as coisas. Falta de hábito ou, então, era muito jovem para entender que a falta de memória iria me cobrar um dia.

Finjamos que tal data não importa e voltemos para o almoço que tive com meus netos, todos já cheios de idades. A mais nova, por acaso, possui o mesmo nome da dona daqueles olhos. Não serei hipócrita e, por isso, vou confessar. Minha nora me perguntou se eu gostava de Heloísa, quando respondi que Helena era mais bonito. Talvez por eu ter proporcionado uma lua de mel para ela e meu filho na esplêndida João Pessoa, minha neta se tornou xará do meu primeiro grande amor.

Helena! Ainda me lembro da primeira vez que a vi, quando acabara de cair de joelhos na terra. Helena, antes de se levantar, soltou uma gargalhada ainda mais vermelha do que a terra de Brasília. Levantou-se, deu uns tapas nos joelhos e voltou a correr que nem menina, cujo tempo logo se despediria.

Não sei se a minha musa me notou naquele dia. Tímido que era, continuei jogando bolinha de gude com meus amigos. Lembro que perdi todas, mas não liguei. Meu tempo de menino começou a se findar naquele instante.

Morávamos na mesma quadra na Asa Norte, que, naquele tempo, era recheada de vazios. Hoje está tudo mudado, já que os prédios brotaram que nem erva daninha. Bom para as construtoras e imobiliárias, que encheram a burra de dinheiro. No final das contas, todos crescemos.

Nessa época, passei a cultivar uma penugem abaixo do nariz. Não havia chegado aos 14 quando, ao entardecer, Helena veio conversar comigo pela primeira vez.

— Você é o Roberto, né?

— Sou.

— Posso te chamar de Beto?

— Pode, sim. Todos me chamam assim. Quer dizer, menos a minha avó.

Consegui arrancar um sorriso de Helena, que estendeu a mão.

— Prazer, Beto! Sou a Helena.

De tão nervoso fiquei, a garota precisou pegar na minha mão para, enfim, nos cumprimentarmos. Em seguida, ela disse que queria me ver na festa da Glorinha, outra menina da quadra. Recordo que os garotos, que estavam ao redor, começaram a rir assim que Helena deu as costas e voltou para perto das amigas.

Foi no sábado, início da noite, que cheguei ao apartamento da Glorinha, que estava fazendo anos. Entrei tímido, apesar de ter treinado a entrada por mais de uma hora em frente ao espelho da sala. Iria estrear minha calça xadrez, que mamãe precisou dar uns pontos na cintura para não cair. Pensei até em pedir emprestado o cinto do papai, mas desisti, pois iria precisar dar um furo praticamente no meio. Gente, como eu era magricela!

A vitrola tocava “A Lua e eu”, do Cassiano. Eu estava encostado numa das paredes da sala, quando Helena estendeu novamente a mão em minha direção. Minhas pernas tremiam. Ela sorriu aquele sorriso vermelho e me puxou pela mão.

Dançamos agarradinhos e, no meio da música, os lábios da menina tocaram os meus. Não sei se ela já havia feito isso, mas era a minha primeira vez. Certamente, ela percebeu a minha inexperiência e se fez de minha professora.

Passamos o resto da festa grudados, sob os olhares de todo mundo. Foi difícil me despedir da minha paixão naquela noite, mas precisávamos voltar para casa. Fiz questão de levá-la até a portaria do seu bloco. Ela me beijou pela última vez antes de se virar e desaparecer pela escada.

Não sei como voltei para casa naquela noite. Só me recordo de estar na cama, luz apagada, repassando cada instante vivido ao lado da Helena. Iríamos nos casar, imaginei. Obviamente que isso não aconteceu, ainda mais porque o primeiro grande amor da minha vida se mudou da capital para não sei onde. Alguns falavam que havia retornado para Fortaleza, outros juravam que ela teria ido para o Uruguai.

Eis que, anteontem, reencontrei a minha Helena. O restaurante estava apinhado, mas trocamos olhares. Ela, não descarto tal possibilidade, se lembrou de uma dança que tivemos ao som de Cassiano ou, então, aquilo seja algo inerente àquela mulher. Helena me sorriu aquele sorriso vermelho. Não tive coragem ou, o que é mais provável, faltou-me cor de retribuir da mesma forma. Meu sorriso quiçá é amarelo. Bege, talvez.

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