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Esposa de bom faro

Henrique passa noite só após comer alho de Abdullahi

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Chamava-se Henrique, que, apesar de Almeida, guardava hábitos herdados da avó, libanesa de nascimento, da família Fakhouri. Amava comida repleta de temperos, especialmente alho. Hum! O homem chegava a sonhar com aquele cheiro. Cheiro? Pois, sim! Fedor, dizia a esposa, que já percebia de longe o hálito sulfuroso do marido.

Henrique, que casara muito cedo com Cristiane, cada vez mais lutava contra a compulsão pelos porros, ainda mais por conta de quase duas décadas de convívio com a amada, cada vez mais difícil. Dizem que até ameaça de separação havia rolado naquela casa. No entanto, religiosos que eram, tentaram manter as promessas ditas diante do altar.

O homem, que saía de casa pela manhã, de vez em quando passava na birosca da esquina e comprava uma ou duas kaftas. Ele as devorava ainda a caminho do trabalho, o que lhe deixava com aquele fedor de alho. Que importa? Henrique não precisava se preocupar com supostas reclamações de colegas do serviço, mesmo porque não era casado com nenhum deles. Que se danem! Ademais, nada que algumas pastilhas de menta não deixassem de camuflar durante o resto do dia até que, finalmente, ele retornasse para os braços de Cristiane.

A mulher andava toda feliz com a suposta abnegação do marido. Era prova de amor, ela imaginava. Tanto é que, naquele dia, ela preparou um jantar à luz de vela com o intuito de recompensá-lo. Encomendou um bom pedaço de cabrito no açougue da esquina e, usando uma receita antiga de família, preparou a iguaria com ervas de aromas suaves. Obviamente, Henrique amaria a surpresa e, era certo, notaria o vestido com generoso decote da mulher.

Enquanto isso, lá estava o Henrique quase terminando o atendimento a um cliente. Na verdade, você poderia dizer que saber o nome de tal cliente fosse algo desnecessário, mas lhe afirmo que era fundamental. Pois bem, o sujeito carregava, desde seu longínquo nascimento, o nome de Ahmed Abdullahi. Mais libanês que isso? Difícil! Além do mais, quase junto ao nome, eis que o senhor Abdullahi carregava uma caixinha de papelão, de onde exalava um cheiro irresistível de quibe. Era óbvio que com uma dose extra de alho.

Satisfeito que ficou com o atendimento recebido, o homem insistiu para que Henrique aceitasse ao menos um quibe. Sejamos justos, pois o marido de Cristiane tentou resistir. Que nada! Não apenas aceitou, como devorou outros dois que o senhor Abdulhahi nem precisou insistir. O estrago estava feito.

No caminho de volta para o lar, doce lar, Henrique comprou duas caixas de pastilhas de menta. Mastigou uma a uma no trajeto. O homem, a cada minuto, soltava uma baforada para avaliar o próprio hálito. Derradeira pastilha, deu-se por satisfeito. Todavia, assim que pôs os pés em casa, eis que a mulher, com olfato de perdigueiro, lançou um olhar de repúdio ao marido.

– Nem precisa dizer. Já sinto o fedor daqui. Nem entra ou, se quiser entrar, eu é que saio. Vou dormir na casa da minha mãe!

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