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À sombra do pai

Hércules levou para túmulo sonhada placa de gerente

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Hércules Breno Magalhães cresceu cercado por irmãos. Era o quinto de uma fila de nove. Quatro pra cá, mais quatro pra lá, enquanto Hércules, no meio, olhava para um lado, olhava para outro, mas só conseguia enxergar o pai, que, por essas manias de eternizar a vida, também se chamava Hércules.

Um nome forte, dizia o homem para tentar convencer a mulher, que, sem forças por conta de mais um parto difícil, apenas fechou os olhos e adormeceu antes do próximo choro do recém-nascido. Que fosse Hércules, Hurculino, Herculano ou José, desde que o menino carregasse Breno para diferenciar do pai, Hércules Magalhães. Precisava descansar e foi o que fez.

Mas voltemos ao pequeno Hércules, filho de Hércules, mas sem Filho ou Júnior. Hércules, por sinal, também era filho de Doraci, que, pelos próximos cinco anos, ainda iria parir mais quatro rebentos. Aliás, todas meninas, ao contrário dos cinco primeiros, todos homens, inclusive o pequenino Hércules, último da fila dos que usam calça, brincam de carrinho e jogam futebol. Afinal, a masculinidade precisa ser enaltecida num mundo cada vez mais perdido, dizia Hércules, o pai. Quanto às meninas, por ele, bastava aprender a cozinhar, passar e coser as meias, que, vez ou outra, furassem. Escola pra quê? Nananinanão!!! Mulher que estuda fica com ideias na cachola!

Hercules cresceu regado a tanta virilidade exalada pelas ventas do pai. Este, por sinal, havia se aposentado depois de dezenas de anos de labuta no principal banco da cidade. A fama correu toda a vasta região. Tanto é que ganhou até placa na agência do centro. Pois é, uma placa! Pensaram até em mudar o nome da filial, mas acharam melhor não contrariar o prefeito, cujo avô dava nome àquela dependência bancária. O agora rapaz estudou que nem condenado, mas conseguiu aprovação no Banco do Brasil. Sim, senhor! No Banco do Brasil! Um empregão naqueles idos de 1976. E lá foi o rebento ser bancário em uma cidadezinha do interior.

Hércules progrediu, é verdade, mas não da noite para o dia. Levou tempo, até que, finalmente, atingiu o posto de gerência. Nesse dia, fez questão de telefonar pro pai, que, parece, estava ocupado com outras coisas, pois a conversa foi curta. Seja como for, o rapaz não teve tempo para lamuriar, já que vida de gerente é deveras atarefada.

O homem conseguiu, após quase uma década, ir para a capital, onde iria trabalhar numa grande agência, que seria inaugurada em breve. Certamente lhe dariam uma placa por ser o primeiro gerente de lá. Mas eis que, por conta dessas coisas de bastidores, o felizardo foi outro. Um tal José Benevides. Veja só! Mal inaugurou a agência, foi chutado para outro lugar. Caiu para cima, como se costumava dizer naquele tempo, pois foi parar na diretoria do Banco do Brasil.

Hércules acabou tomando o lugar do agora diretor. Labutou, labutou e labutou, até que, por fim, chegou a tão esperada aposentadoria. E, se ainda esperava uma placa, esta não chegou. Desgostoso, voltou para a cidade natal, onde fechou os olhos quando estava bem perto dos 90.

Vale aqui uma menção honrosa pelo desempenho quase teatral dos seus últimos momentos. Diante de uma pequena plateia de familiares, tentou se levantar da cadeira de balanço no canto do alpendre. Não conseguiu. Tombou o corpo, a cabeça pro lado. Incrédulos, os parentes pensaram fingimento. Era tudo verdade.

O enterro aconteceu no dia seguinte. Um dia chuvoso, desses de espantar aqueles menos propensos ao último adeus para alguém apenas conhecido. Poucos presentes no mais famoso cemitério da pequena cidade. O único, por sinal, mas nem por isso menos importante.

Hércules Breno Magalhães, agora, teria direito à sua tão sonhada placa, que foi presa na lápide de mármore. Se bem que, talvez por desconhecimento do profissional, a letra H fora suprimida. E daí? Ninguém naquele lugar se preocuparia em ler o que estava escrito.

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