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Em família

A hora d’A Tropa promover um velho um acerto de contas

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Ubiratan Brasil

Doente, um ex-militar recebe os quatro filhos no hospital. Autoritário, ele se descobre incapaz de controlar a situação: as relações veladas na família são descortinadas e cicatrizes são expostas. “É o microcosmo da realidade brasileira, entre 1964 e os dias atuais”, avalia o ator Otavio Augusto, que vive o homem debilitado em A Tropa, peça que estreia neste sábado, 3, na Sala Paschoal Carlos Magno do Teatro Sérgio Cardoso. Um momento marcante, pois Augusto, um dos principais atores brasileiros, comemora 50 anos de carreira.

“Eu buscava um texto estimulante, quando Gustavo Pinheiro me ofereceu esse. Eu não pisava no palco de um teatro desde 2009, quando encenei Rock’n Roll, de Tom Stoppard, uma inteligente crítica contra o comunismo”, relembra ele, que viveu ali um professor essencialmente marxista da Universidade de Cambridge – homem arrogante, que parece ser o único personagem imune ao poder transformador da arte, da canção em especial. Embora não seja um musical, o espetáculo valeu-se do rock’n’roll como ferramenta para mostrar a desestruturação do comunismo no leste europeu.

Foi o mesmo entusiasmo que tomou conta do autor ao receber a peça de Pinheiro. “A Tropa me incentivou a retornar à cena graças a uma sensível discussão sobre culpa, que atinge essa família formada por um pai rígido e filhos ressentidos.”

Escrito em 2015, o texto foi premiado pelo CCBB na 7.ª edição da Seleção Brasil em Cena e tem como pano de fundo os últimos 50 anos de História brasileira, dos pesados tempos da ditadura militar à Operação Lava Jato. “E, como os acontecimentos continuam fervilhando, acrescentamos alguns detalhes que deixam a peça ainda mais atual”, completa o ator.

A falta de um ponto final é também festejada pelo autor. “É curioso como a peça se torna cada vez mais atual. A cada novo lance na política brasileira – e foram muitos nos últimos meses! -, o texto fica ainda mais renovado no palco”, comenta Gustavo Pinheiro, cujo ponto de partida foram as rachaduras provocadas nos relacionamentos pelos embates políticos.

“Fiquei impressionado com a capacidade do debate político, nas redes sociais ou fora delas, de abalar amizades. Qual o lugar da tolerância na nossa sociedade, hoje? E como exercitar a tolerância e a diferença em família, o núcleo mais estreito de convívio, regido pelo afeto? Esse foi o ponto de largada para A Tropa”, explica.

A situação dos filhos permite traçar um perfil da sociedade – Humberto (Alexandre Menezes) é um dentista militar aposentado que mora com o pai; João Batista (Daniel Marano) é o caçula, usuário de drogas com passagens por clínicas de reabilitação; Artur (Eduardo Fernandes) é um empresário casado, pai de duas filhas e que trabalha em uma empreiteira investigada por suspeita de corrupção; e Ernesto (Rafael Morpanini) é um jornalista que acaba de pedir demissão e está em crise com a profissão.

“São vários tipos de problemas que envolvem as famílias e que afetam o público”, comenta Otavio Augusto. “Nas sessões que apresentamos, especialmente no Rio, notei um interesse muito grande, principalmente dos espectadores mais velhos, que vivenciaram muitos dos conflitos tratados na peça.” O ator lembra que Gustavo Pinheiro iniciou a escrita do texto em 2014, motivado pelos acontecimentos políticos que rodearam a eleição presidencial.

Ator com longa carreira na televisão e no cinema, Otavio Augusto se define como um artista essencialmente de teatro. “É no palco que consigo realizar minha motivação social ou política”, conta ele, que iniciou sua trajetória em São Paulo, na década de 1960, em um grande centro difusor de cultura: o Teatro Oficina. Lá, participou de Os Inimigos, de Máximo Gorki, dirigido em 1966 por José Celso Martinez Corrêa; no ano seguinte, viveu Perdigoto na célebre montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade.

Em 1968, não só atuou como também codirigiu Poder Negro, de LeRoi Jones, e ainda participou de outra clássica encenação: a de Galileu Galilei, de Bertolt Brecht. E, do mesmo autor alemão, Otavio Augusto encenou Na Selva das Cidades, em 1969. “Eram anos de grande ebulição política, que refletia na área cultural”, relembra ainda.

Atualmente, somente tal motivação é que o convence a voltar ao palco. “Em A Tropa, fico entusiasmado por dividir a cena com atores jovens – eles ajudam a me reciclar sempre.” Com direção de Cesar Augusto, a montagem tem um cenário austero, criado por Bia Junqueira: um quarto de hospital com alguns poucos objetos que foram levados pelos filhos – de pertences do pai a presentes.

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