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Militante bolsonarista

Ibaneis vende imagem de santo mas age como o mito de barro

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto José Cruz

Sem a necessidade de longas pesquisas, Brasília, o Brasil e o mundo perceberam que, por vontade ou omissão do governador do Distrito Federal, o golpe contra a democracia quase foi efetivado. Não o foi por interseção direta do Supremo Tribunal Federal, que, por meio de seu presidente, ministro Luiz Fux, de seus pares e de outras autoridades interessadas em manter o status quo do país, reagiu à leniência da administração local, especialmente das forças de segurança. O episódio rocambolesco comprova que, reconhecido nos tribunais e na academia como mestre e doutor na área de Direito, o advogado ibaneis Rocha precisa se definir rapidamente como político. O povo isento, o que torce pela liberdade, pela democracia e pela paz, quer saber se ele é ou está mais militante do que governador ou se optou temporariamente pelo Buriti apenas por diletantismo.

Ainda que pareçam absurdas e fora de propósito, as indagações são pertinentes, principalmente se lembrarmos que, durante a campanha, nas redes sociais, entrevistas e no programa de governo, ele anunciou ter soluções para os principais problemas do Quadradinho. Os destaques de sua longa lista de prioridades eram vários. Não são mais, porque até agora, dois anos e oito meses após a posse, poucos saíram da prancheta. A verdade é que não vingou nenhuma das propostas mais importantes. Por exemplo, nem sinal de novos trens para o metrô, tampouco da extensão para a Asa Norte e do aumento da frota de ônibus. E o que dizer da garantia de água tratada e esgoto para 100% do DF, da ocupação definitiva do Centro Administrativo de Taguatinga, do atendimento 24 horas nas administrações regionais, da reabertura do Teatro Nacional e do Museu de Artes de Brasília, da nova central de abastecimento e da regulamentação do trabalho dos flanelinhas?

Essas promessas nem chegaram à prancheta. Pego no contrapé pela pandemia, ainda não conseguiu avançar um milímetro na pasta da Saúde. Pelo contrário. Depois de três secretários, o setor parece bem pior do que estava. Ao contrário da promessa, os valores do IPTU e do IPVA, que seriam reduzidos aos mesmos patamares de 2010, estão quase em 2050. A erradicação do analfabetismo entre adultos, a criação de uma universidade pública e a educação integral em escolas abertas viraram pó. Tudo bem que a cidade estava entregue aos ratos. Todavia, o mínimo que se esperava de alguém que jurou fazer de Brasília uma cidade modelo (não necessariamente nesses termos) era conseguir consertar os elevadores e fazer funcionar as escadas rolantes da rodoviária urbana. Mais uma vez sou obrigado a concordar com a máxima de que quem cumpre promessa é santo.

E, convenhamos, não é o caso do governador, cujo ídolo maior é um mito, o presidente Jair Messias Bolsonaro, que também é neófito (talvez incapaz) nesse “negócio” conhecido por administração, mas vem fazendo escola no Quadradinho. A história mostra que, para ocupar cargos dessa natureza, é preciso ser do ramo. Claro que ninguém é perfeito ou nasce sabendo alguma coisa. O problema é a soberba. Pior ainda é “ter” solução para tudo, mas nada fazer. É triste de ver a generalização do GDF. Político que se diz escolado não pode – pelo menos não deve – baixar a guarda e descer ao nível da militância que pede votos em troca de pão com mortadela, coxinha ou revólver. Mostrar predileção por esse ou aquele candidato é do jogo político de qualquer cidadão. Entretanto, do administrador de uma cidade composta de elementos colhidos em diferentes fontes espera-se isenção, dissimulação ou, no mínimo, silêncio público absoluto sobre suas preferências.

Ele deve limitar suas paixões às paredes. Deixe as manifestações bolsonaristas para as reuniões com o secretariado ou para os cafés com torrada nas furtivas visitas aos palácios do czar. Ainda lembrando o dia 7 de Setembro, é provável que Ibaneis tenha ligado várias vezes para Fux. No entanto, faltou força ou vontade para conter a cumplicidade política de seus policiais militares com os golpistas. Por isso, pelo menos de um adjetivo o governador está livre. Nenhum ser humano com consciência cívico-politica antidemocrática pode chamá-lo de traidor. Brasília é um bem da humanidade, isto é, do povo e para o povo. Portanto, não deve, por razões meramente ideológicas, ser transformada em espaço exclusivo desse ou daquele segmento político. Aliás, como foi em passado bem recente. Tenho o direito de circular com as cores e bandeiras que bem entender. E não é da PMDF ou de qualquer outra do país o dever de reordenação de minha indumentária.

É preciso que Ibaneis entenda que seus votos não são exclusividade dos bolsominions. Da mesma forma, os integrantes do sistema de segurança precisam saber que seus salários são decorrentes da contribuição de eleitores de todas as correntes, inclusive dos “comunistas” que habitam os pesadelos diários do presidente da República. Vale lembrar que, dos cerca de 3,5 milhões de habitantes do DF, talvez metade tenha simpatia ou adoração, como Ibaneis, pelo Flamengo. Todavia, são os impostos pagos também por vascaínos, tricolores e botafoguenses que bancam a pesada estrutura do BRB. Do mesmo modo que os urubus de bom agouro, quatro anos passam rápido. Voam. A fama não é uma coisa real. Os mitos e o poder também não. O vento leva as palavras, o tempo apaga as promessas, mas as atitudes jamais são esquecidas. Nunca desestimemos a importância dos outros, esquecendo que é igualmente dos outros que recebemos a força para viver.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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