Curta nossa página


Dois poetas

Ideia de transa extasiante afunda como âncora na Praia de Iracema

Publicado

Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Os dois se conheceram pelo Facebook. Ele se dizia poeta, morava em São Paulo, escrevia basicamente versos eróticos. Ela era poetisa, morava em uma cidadezinha do Ceará, produzia na maioria dos casos lindos poemas místicos. Mas às vezes descambava para o erotismo, e então soltava a franga com tudo, ia fundo, muito mais do que ele.

Passaram a conversar horas seguidas, depois trocaram poemas, e finalmente fotos. Ele engoliu em seco com a imagem da bela morena de cabelos negros, num shortinho ousado e um sorriso confiante, de dona do mundo.

– Assim me apaixono – confessou ele (não exagerava, se apaixonava fácil). – Manda fotos de biquíni.

Ela obedeceu. Ele adorou, babou na gravata que nunca usava.

O passo seguinte foi escrever para ela um poema erótico. Sem qualquer vulgaridade, nenhum termo obsceno, ele descreveu com detalhes a sonhada primeira transa dos dois. No final, orgulhoso com sua criação e ansioso pela resposta dela, enviou-lhe o poema pelo WhatsApp.

O poema intitulava-se “Graúna”. Era, claro, uma referência a Iracema, personagem do romance de José de Alencar – a mulher cearense arquetípica, de “cabelos mais negros que a asa da graúna”. E aí, claro, deu chabu.

– Quem te falou esse nome? O Roberval, não foi?

– Que nome? Que Roberval?

– Confessa, filho de uma égua. Foi o Roberval, não foi? És um filho de uma égua que nem ele!

– Que nome, morena? E não conheço Roberval nenhum.

A muito custo, o poeta conseguiu desenrolar a história. Roberval era um carinha que a paquerava no fim do Ensino Fundamental. Ela não quis ficar com ele, que, morrendo de despeito, colocou-lhe o apelido de graúna. Não em referência a Iracema, a “virgem dos lábios de mel”, e sim à graúna, criação imortal do cartunista Henfil – moreninha, mirradinha, decidida mas feia pra cacete. O apelido se alastrou pela escola e a traumatizou; marcou-a mesmo depois dos 16 anos, quando ela virou um mulherão.

De algum modo, o poeta a convenceu de que: a) não conhecia o apelido. Graúna, com g maiúsculo, era uma referência a Iracema e a José de Alencar; b) não conhecia o canalha do Roberval e, se um dia conhecesse, iria baixar-lhe a porrada; c) estava apaixonado e queria muuito transar com ela.

A poetisa cearense aceitou, desconfiada. Mas alguma coisa havia se quebrado. Os dois bem que tentaram, enviaram poemas eróticos um pro outro, mas o amorzinho virtual foi esfriando, esfriando, até morrer de vez. Tudo culpa do Roberval e do José de Alencar.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.