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Perdas irreparáveis

Ídolos são os que falam mais alto com suas ações do que com as palavras

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Autor/Imagem:
Misael Igreja - Foto de Arquivo

Eu não tenho ídolos. Eu sou meu ídolo e meu fã. Como boa parte deles é maquiada, vazia e sem brilho na alma, acho que os ídolos me impedem de ter ideias. Entretanto, há dezenas de pessoas que me inspiram, me motivam e me fazem querer sempre mais. A essas eu admiro. São ídolos da vida real. Eles não morrem, pois não são feitos de barro, gesso ou de mentiras. São diferentes dos mitos, dos falsos profetas e dos cíclicos salvadores da pátria. Por isso, bons ou ruins, apenas partem sem dizer adeus. O melhor é que eles não se acham deuses, admitem fãs, mas abominam os idólatras. Alguns jamais serão substituídos.

É o caso do simplório, emblemático, informal e justo José Pepe Mujica no Uruguai. Foi o caso de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubistchek, de Pelé e de Ayrton Senna no Brasil, ídolos grandes de um povo que até hoje pensa pequeno. Tanto que, já caminhando para a terceira década do segundo milênio, ainda conhecemos cidadãos que costumam chamar de celebridades todos aqueles que, mesmo sem ter o que dizer, aparecem no horário eleitoral gratuito do rádio e das televisões com um leque de lorotas. Na verdade, são vestibulandos de personagens cuja notoriedade somente será atestada, ou não, quando eleitas.

A maioria é reprovada na conta de somar. Os que chegam à multiplicação ou divisão se perdem na raiz quadrada. Aqueles que conseguem ultrapassar as fases primárias acabam jubilados na segunda volta da competição. Ficam no meio do caminho por absoluta falta de conhecimento do cargo pretendido. Normalmente esse tipo de candidato perde o ano, a eleição ou o rebolado por não conseguir provar nenhuma das mentiras que propagou. Jubilá-lo ou, ainda que temporariamente, afastá-lo das urnas é a maneira mais polida de negar sua existência. Foi o que fez recentemente grande parte do povo brasileiro. No entanto, se manteve intacta a minoria para a qual nunca deixou de estar clara a necessidade de, em acreditando em mito, ir ao encontro dele sempre armada.

Além de desarmados, os demais buscam os ídolos de areia apenas como fantoches ou aparadores do cuspe de ventríloquos profissionais e bem pagos. Outros mais espertos colam no boneco de pano exclusivamente para se dar bem. Nesse mundo, tem gosto para tudo, inclusive para a idolatria aos detratores dos verdadeiros ídolos. Triste, mas nos faltam políticos e dirigentes capazes de nos servir de espelho. Daí a falta de ídolos. Com a briguinha de comadres fofoqueiras de hoje, tudo indica que a orfandade será longa. Como eleitores ou simplesmente meros espectadores, que permaneçamos vivos e loucos pelo retorno ao poder de um brasileiro sério, forte e preocupado em resolver ou pelo menos minimizar as mazelas do povo.

E pouco importa que ele seja de direita, de esquerda e que venha de onde vier. Será bem-vindo se, junto com seus aliados e fãs, respeitar as opiniões alheias. Pensar diferente faz bem para o sistema democrático de qualquer nação. Ainda não é o caso do Brasil, onde, assustadoramente, há um crescente número de seres influentes que acham que o Deus ou o ídolo deles é melhor do que o dos outros. São os que torcem pelo caos como forma de negociar facilidades. É de lamentar o futuro dos que virão, pois, para golpistas enrustidos e para os que agem como formadores de opinião, a República do Brasil tem de continuar de bananas.

Os uruguaios perderam Mujica. Nós perdemos Vargas, JK, Pelé e Senna. Todos honraram seus nomes e o poder que tiveram. Talvez nunca mais tenhamos outros iguais. Reitero que não tenho ídolos. Porém, é impossível não admirar esses quatro brasileiros pelo trabalho, dedicação e competência. Gosto de homens e de mulheres cujas ações falam mais do que suas palavras. Temos arremedos desses tipos, mas nenhum que desperte respeito entre os adversários. O que resta é nossa consciência e a certeza de que estamos sozinhos. Comungo da tristeza dos uruguaios do bem. Embora não os tenha, sei que é triste viver num mundo onde não há mais ídolos. No Brasil, eles se foram há décadas. Sugiro aos que procuram por um novo ídolo que não busquem aqueles proibidos no inferno e sem utilidade no céu.

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Misael Igreja é analista de Notibras para assuntos políticos, econômicos e sociais

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