BTG, Master e cavalo sem sela
Inalante de ouro evapora e leva junto faro de André Esteves
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Dizem na pomposa Faria Lima, território onde o ar é rarefeito e a realidade anda sempre um passo atrás do lucro, que André Esteves tem faro. Não um olfato qualquer, desses de farejar café fresco ou dinheiro novo, mas um faro mítico, quase canino, capaz de detectar oportunidades antes mesmo de elas existirem. Um sentido treinado para distinguir ouro de latão a quilômetros de distância. Ainda assim, há dias em que até os melhores narizes precisam de um inalante nasal. Porque nem tudo que reluz cheira bem.
Esteves é, antes de tudo, uma história de reconstrução. Começou estagiário, virou sócio jovem, vendeu o Pactual para o UBS e, num movimento que misturou audácia e teimosia, recomprou o próprio destino em 2009, fundando o BTG Pactual. Um banco que cresceu como cresce o bambu: rápido, silencioso e difícil de quebrar. Quando a Lava Jato o levou algemado para Bangu, em 2015, muitos apostaram que o bambu havia rachado. Erraram. Ele vergou, mas não quebrou.
A prisão foi simbólica. Não por malas de dinheiro ou desvios contábeis, mas por algo mais grave no imaginário nacional. É que recaiu sobre ele a suspeita de tentar interferir na engrenagem da Justiça. Comprar silêncio, dobrar o destino, ajustar o curso da história. A absolvição veio anos depois, por falta de provas, como costumam vir as absolvições de gente grande, do tipo discretas, técnicas, quase burocráticas. Já a imagem algemada rodou o mundo. E imagens, como sabemos, não prescrevem.
Reerguido, mais rico e ainda mais influente, Esteves voltou ao centro do tabuleiro. Até que surgiu o Banco Master. Um banco que cresceu rápido demais, como bolo em forno desregulado. Captação cara, ativos ilíquidos, risco empilhado sobre risco, tudo embalado pela rede de proteção do FGC. Um castelo construído sobre papéis, precatórios e promessas.
Quando o Master começou a balançar, o mercado cochichou. Falou-se em interferência política, em telefonemas cruzados, em ministros e presidentes de bancos centrais. Alexandre de Moraes negou qualquer ingerência. O Banco Central endureceu o tom. O castelo começou a ranger.
Foi aí que o faro entrou em cena. André Esteves apareceu não como salvador, mas como cirurgião. Não comprou o banco. Comprou pedaços. Ativos selecionados. Participações em empresas feridas, imóveis, recebíveis. Uma injeção de liquidez indireta, calculada, supervisionada. Um curativo, não um transplante.
O mercado, que se diz racional mas vive de instinto, entendeu o recado de que não haveria resgate sentimental. Sustentar o Master indefinidamente seria ensinar maus hábitos ao sistema. Risco moral demais, disciplina de menos. Melhor deixar cair. Melhor mostrar que alguns erros não são socializáveis.
Quando o Banco Central vetou a fusão com o BRB e, meses depois, interveio no Master, o desfecho já estava escrito no rodapé das planilhas. Veio a liquidação. Vieram as investigações. Veio a conta bilionária do FGC, a maior da história. Um rombo que atingiu milhões de credores e deixou no ar aquele cheiro conhecido de desastre anunciado.
No fim das contas, o caso Master não revela um banqueiro onipotente, puxando cordas invisíveis, mas algo mais sofisticado e, consequentemente, mais inquietante. Revela um poder que não grita, não ordena, não aparece no Diário Oficial. Um poder que se exerce pela presença, pela influência no debate, pela capacidade de definir o que é solução aceitável e o que é heresia econômica.
André Esteves não precisou mandar em ninguém. Não precisou salvar o banco, nem derrubá-lo publicamente. Bastou estar ali, no ponto exato onde o mercado encontra o Estado, onde decisões técnicas ganham consequências políticas e onde o consenso se constrói antes de virar manchete.
Talvez o faro não tenha falhado. Talvez tenha apenas identificado, tarde demais, que o cheiro não era de ouro, mas de enxofre disfarçado de perfume caro. E nesses casos, até o melhor dos narizes aprende que, entre uma crise e outra, prudência também é saber quando recuar, abrir a janela e deixar o ar circular.
Ouvindo, na condição de manter o nome no anonimato, um influente banqueiro que costuma viajar a Brasília em períodos esparsos, concluo que no capitalismo brasileiro, como na vida, há aromas que enganam. E inalante nenhum resolve quando o problema não está no nariz, mas naquilo que insistimos em chamar de oportunidade. Até mesmo quando o cavalo passa sem a sela. No caso de André Esteves, o dorso ficou escorregadio. E ele, sem o controle das rédeas, está caindo.
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Dora Andrade é Editora de Economia de Notibras
