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A concha Wanda

Inexplicáveis conexões cósmicas entre seres do Universo

Publicado

Autor/Imagem:
J. Emiliano Cruz - Foto Produção Irene Araújo

Como já tinha feito tantas vezes em diferentes praias, ele caminhava na praia de Copacabana ao nascer do sol. Estava de férias e adorava esses passeios solitários que o conectavam aos maravilhosos enigmas e às transcendentes belezas com que a natureza brinda a humanidade todos os dias. Todavia, dessa vez, tinha o estranho pressentimento de que essa caminhada mudaria a sua vida para sempre.

Depois de andar quase um quilômetro à beira-mar em meio a outros raros caminhantes, observou uma concha que, repentinamente, começou a brilhar como se quisesse chamar a sua atenção. Era uma linda concha branca, adornada com linhas vermelhas em forma de espiral.

Abaixou-se e apanhou o belo e inanimado ser, levando-o ao seu melhor ouvido.

Depois de curtir por alguns segundos o agradável som que simula o barulho do mar, espantado, ouviu perfeitamente a seguinte mensagem:

-Milhar da águia!

Perplexo e assustado, tirou de pronto a concha do ouvido e pôs-se a examiná-la, procurando alguma coisa que explicasse aquela mensagem sonora tão nítida. Não observando nada de estranho, colocou novamente a concha no ouvido e a mensagem se repetiu, tão clara como da primeira vez:

-Milhar da águia!

Não sabendo bem o que fazer, olhou em volta para ver se alguém o observava, afinal, poderia ser algum tipo de pegadinha, dessas que alguns programas de TV apresentam ad nauseam. Nada vendo, pôs-se a pensar sobre o que faria diante de tão insólita situação. Pensou em jogar a concha de volta à areia, seguir o seu caminho e esquecer o assunto. Não queria problemas de nenhuma espécie, muito menos com coisas do além. Todavia, em um impulso existencial, repensou! Afinal, por que ele não poderia ter o seu dia de sorte, a sua vez de iluminação cósmica e de comunicação com as forças ocultas que regem o universo?

Então, decidiu colocar fé na concha e, dando-se conta de que estava no Rio de Janeiro, foi procurar informação sobre onde poderia encontrar o ponto de jogo do bicho mais próximo. Não teve dificuldade para localizar uma banca “habilitada” em pleno calçadão da praia. Pediu orientação ao titular do local sobre como apostar no milhar da águia, se havia valor
limite de aposta, possibilidade de pagar com PIX, horário para conferência do resultado do jogo, etc.

Sorridente, após esclarecer todas as dúvidas de Daniel, o agente de apostas perguntou:

-O amigo sonhou com esse milhar? Apostou alto, hein?!

-Digamos que vi uma águia sobrevoar esse lindo mar e tive uma inspiração.

-Ah, então bote fé…vale o escrito!

Feita a aposta e ainda em transe místico-existencial, Daniel olhou demoradamente para a concha e, acariciando o seu recém adotado talismã, disse para si mesmo:

-Agora é só esperar para ver se fui mesmo iluminado ou se fiz a maior besteira da minha vida!

De volta ao hotel, foi deleitar-se com o magnífico café da manhã do estabelecimento. Novamente, acariciou a concha e pensou em colocá-la no ouvido outra vez. Não obstante, deteve-se:

-Acho que não é bom abusar da boa vontade dela…e vai que ela mude a mensagem. Agora já investi todo o meu salário do mês no milhar da águia, então, melhor esperar até às dezessete horas para ver no que dá.

Deu-se conta que já nutria um tocante afeto pela concha… e começou a pensar em um nome para ela.

-Tem que ser um nome fofo, mas ao mesmo tempo, poderoso.

Veio a sua memória um filme da década de 90 que tinha adorado, uma história meio comédia, meio drama. Lembrou desse filme até porque sempre fora apaixonado pela atriz protagonista, a bela Jamie Lee Curtis.

-Isso! Linda, inteligente, culta, meio safadinha, carismática e adorável em ‘Um peixe chamado Wanda’. Esse seria o nome: Wanda! E ainda coincidia com o nome da poderosa Feiticeira Escarlate da Marvel, pensou, parabenizando-se pela dupla inspiração.

No horário que lhe foi informado, no fundo mais por curiosidade do que por fé, Daniel foi à banca para conferir o resultado do sorteio do dia.

Lá chegando, notou que o agente de apostas lembrou dele e, perplexo, o olhava como se ele fosse um ET.

-E ai amigo, ganhei alguma coisa?

-Amigo, você teve a maior inspiração da sua vida…deu águia na cabeça!

-Sério? E o que significa isso?

-Você não sabe? Pelo valor que apostou, você ganhou o valor de um apartamento no Leblon! Daniel ficou mudo, segurou a concha que estava no bolso da bermuda com toda a força que tinha na mão esquerda e, lívido, balbuciou:

-Não acredito!

-Vale o escrito, mas você tem que passar aqui amanhã para receber o prêmio. Conselho: traga dois seguranças para acompanhá-lo depois que receber a bolada!

Depois daquela assombrosa e certeira previsão de Wanda, a vida de Daniel efetivamente mudou, conforme o pressentimento que ele tivera enquanto caminhava nas areias da praia de Copacabana. Dali para frente, ele recebia quase todos os dias uma nova orientação de Wanda para apostar alto, seguindo todas ao pé da letra sem nenhum motivo para arrependimento:

-Lula presidente!

-Argentina campeã do mundo!

-Espanha campeã da Eurocopa!

-Botafogo campeão da América!

-Palmeiras campeão brasileiro!

-Anora vencedora do Oscar!

-Ainda estou aqui melhor filme estrangeiro!

– Han Kang prêmio Nobel de literatura!

Daniel pediu exoneração do seu cargo de auditor da receita federal e passou a administrar full time os seus crescentes investimentos, sempre orientado por Wanda em todos as decisões que tomava. Solteiro convicto e agora milionário, Daniel começou a sentir falta de alguém para dividir a sua felicidade de homem financeiramente realizado.

Certo dia, decidiu então observar mais atentamente as possíveis candidatas ao título de cônjuge, planejando a partir daí frequentar reuniões sociais refinadas, ambientes a que sempre fora avesso. Nesse dia, coincidentemente ou não, Wanda não sugeriu nenhuma aposta ou modalidade de investimento. Surpreso, Daniel ouviu da conselheira apenas um nome feminino:

-Sandra.

Deliciado, ele regozijou-se, nem pensando na hipótese de contrariar a sua preciosa amuleto- guru.

-Incrível! Até no terreno sentimental a minha querida parceira não descuida da minha felicidade!

Entretanto, após um mês de presença constante em diversas recepções da nata da sociedade carioca e paulistana, Daniel até conheceu mulheres interessantes, mas, surpreendentemente, nenhuma Sandra. Preocupado e impaciente, pensou:

-Será que dessa vez Wanda se enganou quanto à aposta certeira?

Enquanto Wanda continuava a lhe fornecer dicas certeiras sobre finanças a apostas, Daniel continuava a sua busca pela parceira certa. Em mais um mês de procura por sua desejada cinderela nas festas de elite, havia conhecido apenas uma Sandra, mas ela tinha oitenta e dois anos e, por motivos óbvios, não poderia ser a companheira conjugal para um homem de
quarenta anos.

Intrigado, Daniel começou a imaginar se a sua querida e misteriosa benfeitora não havia emitido uma mensagem propositalmente errada.

-Ela nunca errou antes, então pode ser que ela queira que eu continue solteiro…talvez não deseje me dividir com ninguém, afinal, não tenho como saber sobre os seus desígnios e sentimentos mais íntimos, especulou.

Assim, desta feita, Daniel decidiu dispensar a orientação de Wanda e ir à luta somente com a sua própria intuição.

Sentindo-se livre da busca por uma suposta e desconhecida Sandra, ele conheceu então Maria de Fátima, uma deslumbrante, charmosa e bem falante morena de trinta anos.

Logo apaixonou-se pelos encantos da desprendida e envolvente moça.

Namoraram por dois meses, ao cabo dos quais Daniel estava pronto para pedi-la em casamento. Por desencargo de consciência, quis saber se Wanda tinha alguma nova mensagem para ele sobre a questão. Ouviu somente:

-Sandra!

Mesmo aflito, ele abstraiu a situação e prosseguiu seu affair com Maria de Fátima. Convictos dos seus sentimentos, os dois concordaram em marcar o casamento para o mês seguinte.

Daniel ainda tentou ouvir algo de Wanda, sem sucesso. A concha mágica permanecia agora em resoluto e sepulcral silêncio.

Já na lua-de-mel, Daniel pode sentir que sua amada Fátima não era exatamente a pessoa que ele tinha imaginado. O tratamento atencioso e carinhoso com que ela o brindava antes do enlace oficial, foi substituído por frieza, impaciência e, em algumas situações, até desprezo.

-Daniel ,que ridícula essa sua mania de ficar o tempo todo com essa concha estranha nas mãos, isso é muito cringe, falava a esposa com desdém.

Ao voltarem à vida cotidiana, as coisas só pioraram. Entre outras desatenções, a esposa nem se esforçava para esconder sinais de traição conjugal. Após dois penosos meses de um infeliz casamento, amargurado e abatido, Daniel propôs a separação consensual, acordo que Maria de Fátima só aceitou depois de obter inúmeras e substanciais vantagens financeiras.

Por outro lado, os investimentos de Daniel agora iam de mal a pior. As ações da bolsa de valores das quais era o titular despencavam até o chão. Inexplicavelmente, duas mansões de que era proprietário sofreram incêndios que o seguro se recusou a cobrir. Os azares financeiros de grande monta e o elevado custo da pensão alimentícia logo obrigaram Daniel a voltar ao padrão de vida classe média que tinha até encontrar Wanda.

Conformado com o novo-antigo status social e sem a iluminação da sua querida parceira da qual, mesmo assim, nunca se separava, tentou reiniciar a vida do jeito que podia.

Retomando o hábito de caminhar na praia ao nascer do sol, ele andava absorto em suas meditações quando, logo a sua frente, viu uma mulher torcer o pé e cair na areia. De pronto, correu para prestar socorro. Estendendo a mão para ajudá-la a levantar-se, perguntou:

-Você está bem?

-O pé está doendo, mas acho que posso caminhar, obrigada! Por todos os deuses, que moça linda, pensou Daniel.

-Sei como é torcer o pé, dói muito. Apoie-se em mim até a dor diminuir.

-Obrigada novamente! Agradeço se puder me levar até o meu carro.

-Claro, será um prazer! A propósito, meu nome é Daniel.

-Muito prazer, Daniel, eu sou Sandra.

Apertando o seu talismã no bolso da bermuda, Daniel sentiu um calafrio percorrer todo o seu corpo.

-O prazer é meu! Posso perguntar no que você trabalha?

-Eu sou contabilista, trabalho na receita federal. E você?

-Puxa, que coincidência! Eu sou ex-colega seu! Atualmente, trabalho como consultor financeiro.

-Legal, meu ex-marido também trabalha nessa área.

Em um impulso, Daniel levou Wanda ao ouvido esquerdo e, para a sua imensa felicidade, ouviu com um arrepio:

–Milhar do cachorro!

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