Sem-noção
Jaime, o irmão que ninguém merecia ter
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Eu não sou tão jovem. Quer dizer, estou naquela fase quando preferimos evitar imbróglios desnecessários, mas que também não estamos dispostos a levar desaforo para casa. Melhor engolir alguns sapos para não estragar o humor e, obviamente, o coração agradece. O problema é que nem sempre consigo me conter diante de algumas situações, muitas das quais provocadas por meu querido e tão amado irmão do meio.
Somos sete. Sim, isso mesmo! Sete parece conta de mentiroso, bem sei disso, mas Jaime, que fica exatamente no meio entre os mais velhos e os mais novos, tem a singular capacidade de me arrancar qualquer resquício de paciência com a sua notória ausência de sensatez. Um folgado, por assim dizer, ainda mais porque sempre foi o xodó da família, incluídos aí mamãe, papai e vovó Lourdes, que, beirando os cem, ainda paparica o sujeito, como menino fosse.
Aos 40 anos, sou proprietário de um pequeno comércio na Ceilândia, que é de onde tiro meu sustento e, graças a Deus, as finanças estão bem. Por conta disso, vou passar minhas primeiras férias em anos ao lado da esposa na praia. E, na semana passada, comuniquei o fato no almoço de domingo na casa dos meus pais, quando a família se reúne para manter os laços firmes.
Enquanto degustávamos o delicioso mexido de mamãe, eis que o sem-noção do meu irmão, sabendo que iria ficar fora por uma semana, se ofereceu para nos levar ao aeroporto com o meu carro. Bobo que não sou, ainda mais conhecendo a peste da família, tentei desconversar, mas Sandra, a minha mulher, deu corda.
— Mas, Júlio, meu amor, e por que a gente não aceitaria esse favor?
— Tá, vendo, Júlio, até a Sandra sabe que faço isso de coração.
— Então, amor, aceita, vai!
— Tá bom, tá bom!
Para mau-entendedor, tudo poderia parecer lindo e perfeito, mas… Bem, mas o dono da proposta era o Jaime, justamente o maior cara de pau para os lados de cá. E, não tardou, o cordeiro se revelou o lobo da história.
Há pouco mais de três horas, Sandra e eu fomos de carro até o apartamento do meu irmão, pois ele iria nos levar até o aeroporto. Mal chegamos, ele nos recebeu com aquele sorriso que engana apenas os inocentes, puros e bestas.
— Faço questão de ir dirigindo. Hoje serei o motorista de vocês.
— Não precisa, Jaime.
— Ah, amor, deixa o seu irmão nos levar.
— Tá bom!
Durante o trajeto, eis que o Jaime me desferiu a primeira facada.
— Júlio, andei pensando.
— No quê?
— Bem, já que vocês não vão precisar do carro, bem que eu poderia ficar com ele até vocês voltarem.
— De jeito nenhum!
— Ah, amor, o que tem? Vamos, deixe o carro com o seu irmão.
Nem respondi, mas, a despeito da minha cara de contrariado, acabei acenando positivamente, apesar de lentamente, com a cabeça. Todavia, não pense você que a coisa ficou por aí. Pois você acredita que o cretino ainda me veio com mais uma? Sim, isso mesmo, a punhalada definitiva!
— Júlio, mas você vai deixar com o tanque cheio, né?
Antes que eu pudesse mandá-lo para aquele lugar, a Sandra pediu para ele parar em um posto logo adiante. Fiquei calado, mas com fumaça saindo pelas orelhas. E, para não estragar o dia, saquei meu cartão de crédito para pagar pela gasolina.
Seja como for, aqui estamos minha amada e eu no aeroporto de Brasília prestes a entrar no avião. A Sandra, que nunca viu praia na vida, parece criança diante de um pote de sorvete. Entretanto, só consigo pensar na volta, quando certamente irei esganar aquele espertalhão.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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